10 de agosto de 2016

GUY FAWKES

Guy Fawkes

5 de Novembro

Foi nesta data, em 1605, que Guy Fawkes foi capturado no porão do Parlamento com uma grande quantidade de explosivos. Seu rosto inspirou David Lloyd a criar a máscara de V. Fawkes foi um católico extremista e herói militar que serviu em Flanders. Em conluio com outros católicos descontentes, pretendia explodir o Parlamento e assassinar o Rei Jaime I. Delatados por uma carta anônima, os terroristas viram seu plano frustrado. Fawkes foi torturado e executado diante do Parlamento em 31 de janeiro de 1606.

Alan Moore e David Lloyd (V de Vingança; pág: 302)

Máscara de V de David Lloyd

TEATRO É TUDO


"Tudo bem, criança, tudo bem. Já acabou. O passado não vai mais machucá-la, a não ser que permita. Transformaram você numa vítima, Evey... Em mais uma estatística, só que essa não é você, não é o seu interior. Confie em mim. Nós podemos apagar tudo... A dor, a crueldade. Juntos podemos recomeçar." (...) "Não é curioso como tudo termina em drama? (...) Teatro é tudo, Evey. O perfeito êxtase. A grande ilusão. É tudo. ...E eu quero ser muito aplaudido. Eles se esqueceram dos dramas, abandonaram os roteiros quando o mundo cintilou sob os clarões dos holofotes nucleares. Eu vou fazer com que se lembrem do drama, dos romances, das tramas policiais. Como vê, Evey, o mundo é um palco. Tudo o mais... ...É Vaudeville."

"Não se deve contar com a maioria silenciosa, pois o silêncio é algo frágil. Um ruído alto... ...E está tudo acabado. (...) O barulho é relativo ao silêncio que o precede. Quanto mais absoluta a quietude, mais devastadora as palmas. Nossos governantes não ouvem a voz do povo há gerações, Evey... ...E ela é muito mais alta do que eles se recordam." (...) "Todo esse tumulto e gritaria, V... Isso é anarquia? (...) Não. Esta é a terra do pegue o que quiser. Anarquia significa sem líderes, não sem ordem. Com anarquia, vem uma era de ordung, de verdadeira ordem, ou seja, ordem voluntária. (...) Isto não é anarquia, Eve. Isto é caos. (...) A ordem involuntária gera insatisfação, mãe da desordem, prima da guilhotina. Sociedades autoritárias são como a formação de crostas de gelo. Intrincadas, mecanicamente precisas e, acima de tudo, precárias. Sob a frágil superfície da civilidade, o caos se convulsiona... ...E há locais onde o gelo é traiçoeiramente fino. (...) A autoridade, quando detecta o caos pela primeira vez em seus calcanhares, fará as coisas mais vis para preservar a fachada de ordem... ...Mas, como sempre, ordem sem justiça, sem amor ou liberdade, não pode deter a derrocada de seu mundo para o holocausto. A autoridade admite dois papéis: o torturador e o torturado. Ela transforma as pessoas em manequins amorfos que temem e odeiam, enquanto a cultura mergulha no abismo. (...) O colapso da autoridade permeia o leito, as diretorias, a igreja e a escola. Tudo é mal gerido. A igualdade e a liberdade não são luxos a serem levianamente desprezados. Sem elas, a ordem não pode persistir antes de alcançar grandes profundezas. (...) A anarquia ostenta duas faces, a criadora e a destruidora. Destruidores derrubam impérios, fazem telas com os destroços, onde os criadores erguem mundos melhores. (...) Este país não está salvo... Não. Não se iluda... Mas todas as velhas crenças tornaram-se destroços... E, dos destroços, podemos reconstruir. Esta é a missão deles: governarem-se a si mesmos, suas vidas, amores e terra. Com isso alcançado, que falem de salvação. Caso contrário, certamente, serão carniça."

"Você pretendia me matar? Não há carne ou sangue dentro deste manto pra morrerem. Há apenas uma ideia. Ideias são à prova de balas."

Alan Moore (V de Vingança; págs: 31, 33, 195, 196, 197, 199, 200, 201, 224, 238 e 247)

ACHO QUE É HORA DE CONVERSARMOS


23 de Fevereiro de 1998. Horário nobre

Boa noite, Londres! Acho que é hora de conversarmos. Estão todos confortáveis? Então eu começarei... Imagino que você esteja se perguntando por que foi chamado aqui esta noite. Sabe, não estou inteiramente satisfeito com seu desempenho nos últimos tempos, receio que seu trabalho tenha decaído muito e... ...Bem, estamos pensando seriamente em demitir você. Claro... Eu sei que está na empresa faz muito tempo, quase... Deixe ver... Quase dez mil anos! Deus do céu! O tempo voa, não? Eu me lembro do dia em que você começou no emprego, balançando nas árvores, ainda jovem e muito nervoso, com um osso na mão peluda... Você me perguntou: "Por onde começo, senhor?" Ainda recordo minhas exatas palavras: "Está vendo aquela pilha de ovos de dinossauro?", indaguei, sorrindo paternalmente. "Pode chupar."

Já se passou muito tempo desde aquela época, não é verdade? E, claro, tem toda razão... Até hoje, você não faltou um dia. Muito bem, ó servo bom e fiel. Por favor, não pense que me esqueci da sua admirável folha de serviços, ou das valiosas contribuições que prestou à empresa. O fogo, a roda, a agricultura... Uma lista respeitável, meu velho. Realmente muito respeitável. Mas... Bem, para ser franco, nós andamos tendo problemas, não se pode fechar os olhos para isso. E sabe onde eu acho que a maioria deles se origina? Na sua indisposição natural para subir dentro da empresa. Você não quer encarar responsabilidades verdadeiras, nem ser seu próprio chefe. Deus sabe quantas oportunidades já teve. Várias vezes, nós lhe oferecemos promoções, e você sempre recusou. "Isso é muito pra mim, chefia. Eu conheço meu lugar." Para ser franco, você nunca nem tentou. Sabe.. Como não progride há muito tempo, isso já começa a afetar seu trabalho... ...E, devo acrescentar, seu padrão de comportamento também. Os constantes desentendimentos na fábrica não escaparam à minha atenção... ...Nem os surtos de desordem na cantina dos funcionários. Além disso, posso citar... Hmm, bem, eu não queria trazer isso à tona, mas... ...Sabe, andei ouvindo coisas desagradáveis sobre sua vida pessoal. Não. Nada de nomes. Quem me contou, não importa. Estou sabendo que você não consegue mais se entender com sua esposa... Me disseram que os dois brigam muito, que você grita... Falaram até de violência. Fui informado que você sempre magoa aquela que ama... ...Aquela que jamais deveria magoar. E seus filhos? São sempre as crianças que sofrem, como você bem sabe. Pobrezinhos! O que fizeram para merecer isso? O que fizeram para merecer sua truculência, seu desespero, sua covardia e todas as intolerâncias cultivadas com tanta estima?

Situação nada boa, não é? E não adianta culpar a gerência pela queda nos padrões de trabalho... ...Embora eu saiba que ela deixa muito a desejar. Na verdade, sem papas na língua... A gerência é deplorável! Nós tivemos uma sucessão de malversadores, larápios e lunáticos tomando um sem-número de decisões catastróficas. Isso é inegável. Mas quem os elegeu? Você! Você indicou essas pessoas. Você deu a elas o poder para tomarem decisões em seu lugar! Claro que qualquer um está sujeito a se equivocar, mas cometer os mesmos erros fatais, século após século, parece uma atitude deliberada. Você encorajou esses incompetentes, que transformaram sua vida profissional num inferno. Aceitou suas ordens insensatas sem questionar. Sempre permitiu que enchessem seu espaço de trabalho com máquinas perigosas. Você podia ter detido essa gente. Bastava dizer "não". Você não teve orgulho próprio. Perdeu o valor que tinha na companhia. No entanto, eu serei generoso. Você terá dois anos para aprimorar seu trabalho. Se, ao fim desse período, não apresentar resultados satisfatórios... ...Será cortado. Isso é tudo, pode voltar ao trabalho. As tarefas normais devem começar tão logo seja possível.

9 de Novembro de 1998

Boa noite, Londres. Eu gostaria de me apresentar, mas verdade seja dita, não tenho nome. Podem me chamar de "V". Desde a aurora da humanidade, um punhado de opressores assumiu a responsabilidade sobre nossas vidas. Responsabilidade que nós deveríamos ter. Ao fazer isso, eles tomaram nosso poder. Ao nada fazermos, nós o entregamos. Nós vimos aonde seus caminhos levaram, através de campos e guerras, rumo a matadouros. Na anarquia, há outro caminho. Com a anarquia, dos destroços vem vida nova, esperança renascida. Dizem que a anarquia está morta, mas vejam... As notícias de minha morte foram... ...Exageradas... Amanhã, a rua Downing será destruída, a cabeça reduzida a ruínas. Um fim para o que já passou. Hoje vocês irão escolher entre uma vida própria ou o retorno aos grilhões. Escolham com cuidado.

Adieu.

10 de Novembro de 1998

Você escapou do abatedouro ileso, mas não intacto. Viu a necessidade da liberdade, não apenas pra si, mas pra todos... Você viu... E vendo, ousou fazer. Quão sábia foi sua vendeta... Quão benigna, quase uma cirurgia. Os inimigos acreditaram que você pretendia se vingar só em suas carnes, mas não. Você esquartejou suas ideologias. As pessoas encontram-se em meio às ruínas da sociedade, uma cela que prometia ser eterna. A porta está aberta. Podem partir agora, ou voltar a se desentender e tecer nova escravidão. A escolha é deles, como sempre deveria ter sido. Não pretendo liberá-los, mas ajudarei a construir, a criar. Não ajudarei a matar. A era dos assassinos acabou. Eles não têm lugar em nosso mundo melhor.

Alan Moore e David Lloyd (V de Vingança; págs: 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 260 e 262)

ESTE VIL CABARÉ


Há uma lâmpada quebrada pra cada coração na Broadway... A vida é um jogo cheio de luzes que podem ser quebradas. Você recebe fantasias e um resumo da peça... ...Depois é largado pra improvisar neste vil cabaré. Não mais gatinhos sendo acariciados. Só mandados, formulários, memorandos e ordens de despejo... Há sexo, morte e sujeira humana, tudo por dez centavos. Os trens, pelo menos, saem na hora certa... Mas não vão a lugar algum. Diante de suas responsabilidades, seja de costas ou de joelhos, há senhoras que simplesmente gelam e não ousam partir... Viúvas que se recusam a chorar vestirão ligas e gravatas-borboletas e aprenderão a levantar bem as pernas neste vil cabaré. Finalmente o show de 1998! Balé no palco ardente. O documentário visto na tela rasgada... O poema aterrador rabiscado na página amassada! Há o policial de alma honesta que conhece a cabeça de quem está no timão. Ele resmunga e enche seu cachimbo com um sentimento de intranquilidade. Em seguida, revista rapidamente os restos rotos de uma impressão digital ou mancha escarlate e empenha-se em ignorar os grilhões que o acorrentam... ...Enquanto seu mestre, em trevas próximas, inspeciona as mãos com olhos brutais que jamais fitaram as coxas de uma amante, mas que esganaram a garganta de uma nação. Ele anseia, em seus sonhos secretos, o áspero abraço de máquinas cruéis, mas sua amante não é o que parece e ela não deixará bilhetes. Finalmente, o show de 1998! A tragédia! A grande ópera barata! Suspense sem esperança! A aquarela na galeria inundada. Há a jovem que quer, mas não pede. Ela está desesperada pelo amor de seu pai. Acredita que a mão sob a luva pode ser a que precisa segurar. Embora duvide da moralidade de seu anfitrião, ela decide que será mais feliz na terra do faça o que quiser do que se jogada ao relento. Mas o pano de fundo se rasga, os cenários desaparecem e o elenco é devorado pela peça. Há um assassino na matinê. Há cadáveres na plateia. Os produtores e atores também não estão certos se o show terminou. Com olhares oblíquos, eles esperam suas deixas... ...Mas a máscara apenas sorri. Finalmente, o show de 1998! A música-tema que ninguém conta! O balé do toque de recolher! A divina comédia. Os olhos de marionetes estranguladas por suas cordas! Há emoções e calafrios, mulheres em abundância. Há marchinhas e surpresas! Há de tudo para todos os gostos. Reserve sua poltrona! Há perversos e danosos... ...Judeus... ...Ou crioulos... ...Neste carnaval de bastardos. Este vil cabaré!

Alan Moore e David Lloyd (V de Vingança; págs: 91, 92, 93, 94 e 95)

AS CHAMAS DA LIBERDADE


- Olá, formosa dama. Linda noite, não? Perdoe-me a intromissão, talvez a senhorita pretendesse passear... Apenas desfrutar a paisagem. Não importa. Creio que é chegado o momento de uma breve conversa. Ahh, eu me esqueci de que não fomos apresentados. Eu não tenho um nome, mas pode me chamar de V. (...) Para ser sincero, outrora fui um admirador seu. Até imagino o que está pensando... O pobre rapaz tem uma queda por mim... Uma paixão juvenil. Desculpe, mas não é este o caso. Eu perguntava a meu pai: "Quem é aquela moça?", e ele respondia: "É a madame justiça". Ao que eu replicava: "Como ela é linda". Eu a admirava, apesar da distância. Ainda criança, passando pela rua, eu admirava sua beleza. Por favor, não pense que se trata apenas de atração física. Em absoluto. Eu a amava como pessoa, como ideal. Isso foi há muito tempo. Agora, confesso que há outra...
O quê? Que vergonha V! Traindo-me com uma meretriz de lábios pintados e sorriso vulgar!
Eu, madame? Permita-me uma correção. Foi a sua infidelidade que me arremessou nos braços dela! Ah! Ficou surpresa, não? Pensou que eu desconhecia suas escapadelas? Enganou-se. Eu sei de tudo. Na verdade, não me surpreendi quando soube que você flertava com homens de uniforme.
Uniforme? E-eu não sei do que está falando. Sempre foi você, V... O único em minha vi..
Mentirosa! Meretriz! Ousa negar que se deixou envolver por ele, com suas braçadeiras e botas? E então? O gato comeu sua língua? Foi o que pensei. Muito bem. A verdade foi revelada. Você não é mais minha justiça. É a dele. Recebeu outro em sua cama. Faça bom proveito de seu novo amante.
Snif! Snif! Q-quem é ela? Como se chama?
Seu nome é anarquia. E ela me ensinou mais como amante do que você imagina. Com ela, aprendi que não há sentido na justiça sem liberdade. Ela não faz promessas nem deixa de cumpri-las como você. Eu costumava me indagar por que jamais me olhou nos olhos. Agora eu sei. Por isso, adeus, cara dama. Nossa separação não me entristece, uma vez que não é mais a mulher que amei outrora. Eis um último presente, que deixo a seus pés. As chamas da liberdade. Que adorável. Quanta justeza, minha preciosa anarquia... Ó beldade, até hoje eu te desconhecia.

Alan Moore e David Lloyd (V de Vingança; págs: 41, 42 e 43)

5 de agosto de 2016

UM PENSAMENTO

Nada faz correr mais o tempo e abrevia mais o caminho do que um pensamento capaz de absorver em si mesmo todas as faculdades mentais daquele que pensa. A vida exterior assemelha-se então a um sono de que esse pensamento é o sonho. Graças a ele, o tempo perde a medida, o espaço perde a distância. Partimos de um lugar e chegamos a outro, e isso é tudo.

Alexandre Dumas (Os Três Mosqueteiros; pág: 287)