15 de abril de 2016

DESTRUIÇÃO CRIATIVA


Para entender Schumpeter, precisamos levar em conta sua peculiar noção de "competição". Ele não tinha paciência para o que considerava uma fantasia de Adam Smith relacionada à guerra de preços, ao crescimento pelo corte de preços da concorrência e à melhoria da eficiência do mercado como um todo. "Na realidade capitalista, ao contrário da imagem esboçada em seu livro-texto, não é esse tipo de competição que faz a diferença", argumentava Schumpeter, mas "a concorrência de uma nova mercadoria, uma nova tecnologia, uma nova fonte de suprimentos, um novo tipo de organização." Essa é uma perspectiva para além de Darwin: "Uma competição que imponha uma vantagem decisiva em custo ou qualidade, e que ataque não a margem de lucro e a produção das empresas existentes, mas suas fundações e suas próprias vidas." Schumpeter chamou esse processo de "destruição criativa". Como ele definia: "A destruição criativa é o fato essencial do capitalismo. É nela que consiste o capitalismo, e é com ela que todo capitalista deve conviver." (...) Teóricos da evolução industrial, inclusive o próprio Schumpeter, sempre entenderam a alternância entre nascimento e destruição como uma inevitabilidade natural do mercado. Segundo a teoria, nada pode deter uma ideia quando chega o seu momento. Mas, e se, num cenário capitalista, uma entidade industrial se torna um órgão virtual do governo? É aqui que a ecologia natural do mercado deixa de funcionar e a criatividade industrial começa a ser tolhida. Será possível que o mercado, com seus meros competidores, consegue derrubar uma empresa que se tornou parte não oficial do governo federal? Este é o maior problema da noção schumpeteriana acerca do funcionamento do capitalismo. Não se pode esperar que a destruição criativa ocorra naturalmente em tais circunstâncias: destronar um monopólio apoiado pelo Estado se torna menos uma questão do mercado que um ato político.

Tim Wu (Impérios da Comunicação; págs: 38 e 196)

TELEVISÃO MECÂNICA

John Baird

Mas como funcionava aquela tecnologia inicial? A televisão mecânica era meio parecida com a fotografia. Um disco era perfurado com buracos organizados em anéis concêntricos, de forma que, quando a imagem de algumas lentes era projetada por eles, o disco giratório "escaneava" a imagem; a luz captada pelo disco perfurado representava uma "fatia" da imagem que passava através de uma célula fotossensível. O processo se repetia na outra ponta do fio. O sistema tinha limitações: a imagem sofria distorções, a resolução era determinada pelo número de furos e anéis. As primeiras transmissões conseguiam obter entre trinta e sessenta linhas de resolução, comparadas ao padrão televisivo de 525 linhas dos anos 1940 - ou às mais de mil linhas exigidas atualmente na "alta definição". Por isso, era inevitável que as imagens televisivas fossem uma espécie de novidade adicionada ao som, ainda o principal elemento da transmissão.

Tim Wu (Impérios da Comunicação; págs: 171 e 172)


HUSH-A-PHONE


O Hush-A-Phone não era muito popular e mostrava poucos sinais de que iria pegar. Para entender a reação exagerada da AT&T como algo mais que simples neurose, é preciso analisar o dispositivo não pelo que ele era, mas pelo que representava: uma ameaça ao sistema e, por extensão, a um método consagrado de inovação. O dispositivo em si não representava ou pronunciava uma intolerável perda de controle. Poderia não dar certo, mais iria estimular as pessoas a acoplar outros objetos ao telefone e a considerar a sagrada tecnologia da Bell algo em que qualquer um podia pôr a mão. Talvez até levasse a um futuro em que as pessoas comprassem seus próprios aparelhos telefônicos!

Chegamos então à segunda fraqueza que aflige os sistemas de inovação centralizados: a necessidade, por definição, de manter o controle em poucas mãos. Isso não significa que essa prática seja nociva. Na verdade, há menos "desperdício": em vez de dez empresas competirem para desenvolver um telefone melhor - sempre reinventando a roda, por assim dizer -, os recursos da sociedade podem ser sincronizados na busca de um objetivo comum. Elimina-se assim a duplicação de pesquisas, com vários laboratórios empenhados na mesma invenção. (...) Inovação é mais um processo de tentativa e erro. (...) Assim, se tudo for confiado a uma só cabeça, é inevitável que distorções subjetivas irão desvirtuar, se não até impossibilitar, o processo de inovação. (...) As inovações mais rápidas e eficientes costumam acontecer quando uma grande gama de variações é proposta, e a mão invisível da competição escolhe entre elas, como uma procuradora do futuro.

Tim Wu (Impérios da Comunicação; págs: 138, 139 e 140)

14 de abril de 2016

INTRODUÇÃO DE ANÚNCIO NA RÁDIO


Quando a receita vinha da venda de aparelhos de rádio, era desejável que houvesse o maior número de pessoas possível transmitindo - organizações não lucrativas, igrejas e outras entidades não comerciais. Quanto mais transmissores, maiores os incentivos para que os consumidores comprassem um aparelho, e maiores os rendimentos da indústria. No entanto, com a introdução dos anúncios, o rádio se tornou um jogo de soma zero para a atenção dos ouvintes. Cada estação queria a maior audiência possível para sua programação e seus anúncios. Dessa forma, a publicidade transformou em rivais dois velhos amigos, o rádio comercial e o não lucrativo. (...)



Ouvintes sintonizados na Weaf de Nova York por volta das 5h15 da segunda-feira, 28 de agosto de 1922, ouviram o seguinte:

Deixe-me recomendar a você, que valoriza a sua saúde, suas esperanças e a felicidade de seu lar, que se afaste das massas sólidas de tijolo, onde a mirrada abertura para deixar entrar uma fresta de sol é chamada, de forma zombeteira, de raio de luz, e onde as crianças crescem famintas por um pedaço de grama e pela visão de uma árvore.

Essa propaganda, de um projeto habitacional chamado Hawthorn Court, foi o primeiro anúncio publicitário feito pelo rádio no mundo.

Tim Wu (Impérios da Comunicação; págs: 92, 93 e 95)

GEORGE MÉLIÈS

George Méliès

George Méliès, o mais famoso diretor do começo dos anos 1900, teve um destino cruel. Com seus estúdios sob o comando do Exército francês e precisando desesperadamente de dinheiro, Méliès vendeu seu arquivo cinematográfico para um comerciante de ferro-velho, que derreteu tudo para fazer calçados. Nos anos 1920, viu-se Méliès vendendo doces e brinquedos num estante na estação de trem de Montparnasse.

Tim Wu (Impérios da Comunicação; pág: 90)


Trem de Montparnasse (França)

MONOPÓLIO: TÁTICAS DE PERPETUAÇÃO (2/2)


Os textos de economia afirmam que a ineficiência do monopólio vem de sua tendência a restringir o fornecimento e aumentar os preços (...) As tentações de tamanho e monopólio se originam de um interesse em administrar um sistema totalmente integrado e controlar todas as fontes possíveis de receita (...) A ideia central era controlar o maior número possível de partes do negócio. Na produção de aço, isso significaria possuir minas, trens e fábricas. Nos filmes, exigia ser dono dos talentos - atores, diretores e escritores -, bem como de estúdios, redes de distribuição e, em última análise, dos cinemas. (...) As regras do Truste não controlavam apenas os preços, mas a própria natureza do que poderia ser o cinema como meio criativo (...) As leis antitruste deveriam ser aplicadas no sentido de garantir que os mecanismos regulatórios não possam se tornar um paraíso para escapar da concorrência (...). Numa indústria da informação, o custo do monopólio não pode ser medido apenas em dólares, mas também nos seus efeitos sobre a economia de ideias e imagens, restrições que podem, em última análise, chegar à censura. (...) Não se deve subestimar a capacidade de uma indústria entrincheirada para evitar o perigo da inovação. (...) A inovação da forma de expressão não é algo que se pode patentear, tampouco a criatividade é quantificável de modo satisfatório (...) Mas o papel do Estado, embora significativo, não pode ser comparado ao poder da indústria para censurar a expressão ou reprimir a criatividade. Embora sejam inegáveis as realizações dos anos 1930 em termos de estrutura, é essencial compreender o que foi reprimido, cerceado ou censurado pelo novo sistema se quisermos entender o que estava em jogo - e ainda está.

A AT&T acreditava fervorosamente que a secretária eletrônica e suas fitas magnéticas fariam com que o público abandonasse o telefone. (...) Era mais seguro ocultar uma instigante linha de pesquisa que arriscar o sistema Bell. Essa é a fragilidade essencial de uma abordagem centralizada da inovação. (...) Sim, os Laboratórios Bell eram excelentes. Mas a AT&T, como inovadora, sofria de uma grave deficiência genética: não podia gerar tecnologias que ameaçassem o sistema Bell, por mais remota que fosse essa possibilidade. Na linguagem da teoria da inovação, a produção dos Laboratórios Bell era restrita a invenções sustentáveis; tecnologias de ruptura, que lançassem qualquer sombra de incerteza sobre o modelo de negócio, simplesmente estavam fora de questão. (...) Os monopólios da comunicação representam um tipo especial de concentração industrial, e seu desmembramento tem consequências específicas. Em geral, os resultados positivos são retardados ou imprevisíveis, enquanto os negativos são óbvios e imediatos (...) A fragmentação da Bell lançou as bases de todas as importantes revoluções na comunicação a partir dos anos 1980. (...) Fossem quais fossem as consequências imediatas, a decisão contra a Pamamount provocou uma transformação no cinema americano como instituição cultural, lançando a indústria de volta ao estado de abertura em que ela havia surgido nos anos 1920. Como Arnold esperava, a autonomia dos exibidores abriu caminho para que os produtores independentes e até os cineastas estrangeiros, há muito excluídos, vendessem seus filmes diretamente aos cinemas. (...) Os méritos de um desmembramento não podem ser reduzidos a seus efeitos sobre os preços para o consumido, que podem demorar a baixar em meio à ineficácia e ao caos das consequências imediatas. Mas quem pode negar que há custos tangíveis na censura? É profícuo indagar se Hollywood seria o inigualável produto de exportação cultural que se tornou se a indústria não tivesse se aberto a toda variedade de tendências e ideias que uma sociedade pluralística tem a oferecer. (...) Não havia como saber que trinta anos depois teríamos a internet, computadores portáteis e redes sociais, mas é difícil imaginar a emergência desses fatores enquanto a empresa que escondeu a secretária eletrônica permanecia intacta.

Levariam alguns anos para que esses inconvenientes fossem removidos pelos frutos da inovação. Por outro lado, quando as novidades antes barradas pelo sistema Bell começaram a aparecer, isso não foi em gotas, mas numa verdadeira maré nas áreas de computação, aparelhos, redes de comunicação e tudo mais que veio a definir a economia da informação nos últimos trinta anos. (...) Há uma inegável eficácia na ação de um monopólio que se aperfeiçoa no que faz, seja na distribuição de certos tipos de filmes, seja no fornecimento de um serviço telefônico universal. O que essa máquinas bem-azeitadas não realizam tão corretamente, no entanto, é dar início ao tipo de destruição criativa que revoluciona os setores e acaba multiplicando o valor e a produtividade. Onde a informação é a mercadoria final, o efeito multiplicador é incalculavelmente maior. É demais pedir a qualquer entidade corporativa - vide Theodore Vail - para ser a guardiã do bem econômico geral. Esse interesse sempre será atendido por inovadores disruptivos, por maiores que sejam os transtornos que eles nos acarretem. (...) Os privilégios que a AT&T usufruía como monopólio sancionado pelo governo, com preços por ele estabelecidos, eram encarados como uma espécie de recompensa pela contribuição que dava à pesquisa básica, atividade em geral financiada pelo Estado na maioria dos países. Dito de outra forma, nos Estados Unidos, os preços mais altos para o consumidor, decorrentes do monopólio, eram na verdade uma espécie de imposto que os americanos pagavam para financiar a pesquisa básica. (...) O fundamento do desmembramento de indústrias vem da ideia de Thomas Jefferson, de que revoluções ocasionais são importantes para a saúde de qualquer sistema. Como ele escreveu em 1787: "Uma pequena rebelião de vez em quando é uma coisa boa, e tão fundamental no mundo político como as tempestades no mundo físico. ... É um remédio necessário para a boa saúde do governo."



No fim dos anos 1910, (...) os cinemas independentes rejeitaram de maneira drástica a obrigação de comprar filmes que não queriam. Os estúdios começaram a insistir na defesa à qual eles sempre se aferrariam depois: a venda em lotes era simplesmente uma forma de venda em bloco, de que depende qualquer indústria moderna de escala. Realizando operações grandes e modernas, não se poderia esperar que os estúdios moldassem seus cardápios ao gosto de milhares de teatros independentes. (...) Será que as vendas em lote eram uma coisa tão ruim? Por que os exibidores se opunham a ela de forma tão veemente? (...) Os cinemas denunciavam que as vendas em lote eram um dispositivo que só servia para coagi-los a comprar filmes de terceira categoria em troca de alguns poucos filmes bons. (...) Os cinemas tinham perdido a palavra decisiva sobre como conduzir seu negócio e também o poder cultural de curadoria: promover o gosto e certos pontos de vista, adaptar suas programações às audiências regionais. (...) As consequências culturais diretas seriam profundas: duas redes (depois três) determinariam a mídia que definiria os Estados Unidos, oferecendo uma programação destinada às massas, homogênea em termos de gosto do público, sem iniciativa e nada instigante, seguindo por definição o modelo imperativo do "entretenimento que vende".

Podemos entender perfeitamente bem o quanto a venda em lotes e a integração vertical reduziam o custo de produção, mas nada compreendemos do significado dessas inovações para os filmes como forma de expressão. É interessante notar que, quando se trata de produtos como filmes, elementos tais como "custos de busca mais altos" (...) Há "custo de busca" quando o consumidor desconhece o vetor dos preços do produto que vai comprar. (...) talvez sejam uma coisa boa, se o resultado for a maior variedade do que pode ser visto ou ouvido.

Tim Wu (Impérios da Comunicação; págs: 86, 109, 116, 117, 119, 126, 132, 133, 134, 170, 198, 199, 202, 203, 204, 205, 227, 236, 237 e 249)

MONOPÓLIO: EM DETRIMENTO DO AVANÇO (1/2)

Um poder dominante precisa desabilitar ou neutralizar suas próprias invenções para não canibalizar seu negócio principal. Nos anos 1980 e 1990, a General Motors, como se sabe, estava totalmente equipada para assumir o mercado de carros elétricos, mas foi restringida pela falta de vontade de criar uma rival para o motor de combustão interna, seu principal negócio. (...) No curso natural das coisas, o novo muito raramente suplementa o velho, pois em geral o destrói. Mas, como veremos, o velho na verdade não desiste, ele tenta postergar a morte ou cooptar seu usurpador - à la Cronos -. (...) É exatamente o ponto em que o curso natural da narrativa se rasga, quando a agulha é arrancada do sulco, por assim dizer, para romper o processo de disrupção de Schumpeter. Entra em cena a força que sempre atormenta o funcionamento tranquilo de sua teoria básica: a relutância do obsoleto em sair de cena de modo pacífico (...) O que produz importantes implicações. (...) Por exemplo, no caso de qualquer dispositivo estranho (digamos, uma máquina de fax), a Bell criava uma tarifa e exigia que a concorrente estabelecesse algo chamado "acordo de proteção à conexão". Supostamente esse esquema era um modo de "proteger" a rede, mas na verdade consistia numa forma velada de impor custos adicionais e cargas regulatórias. Economistas e Gerald R. Faulhaber, veterano da Bell, acreditam que o esquema na verdade garantiu mais oito anos de monopólio (...) Os instrumentos dos monopolistas são advogados e estatutos locais; suas táticas são adiamentos e contestação de sentenças, tudo isso mirando se desembaraçar das empresas dotadas de menos recursos.

Em especial, a teoria de Schumpeter não leva em conta o poder ou a lei do governo para adiar a morte industrial e (...) deter o Ciclo. (...) Ao se aliar ao Estado, uma força industrial dominante pode transformar uma tecnologia potencialmente destrutiva em ferramentas para perpetuar a dominação e adiar sua morte. (...) O que iria acontecer inúmeras vezes depois na história das comunicações: o calculado exercício de arbítrio por parte do Estado para abençoar ou destruir o poder de um monopólio, decidindo em que indústrias ele permitiria esse tipo de controle. (...) Quanto mais concentrado o poder sobre a informação e as comunicações, mais fácil para o governo ceder à tentação de brincar de Big Brother.

Em vez de deixar o mercado decidir o valor da tecnologia no estado presente, uma agência federal - nem ao menos uma entidade eleita democraticamente - proibia a venda. (...) É essencialmente corrosivo para a democracia que uma entidade privada tenha controle exclusivo sobre qualquer meio indispensável ao interesse público (...) De que forma o governo teria informações suficientes para saber quando alguma coisa tão imprevisível como a tecnologia estava "pronta"? Qual seria o destino do telefone, do rádio e do cinema - ou, mais recentemente, do estranho dispositivo iPod, ou de um site tal qual eBay - se fosse necessário obter uma permissão federal para chegar ao mercado? (...) Todavia, para gerenciar uma emissora de TV, era preciso fazer uma petição à FCC a fim de obter uma licença experimental, e sujeitar-se a padrões estritos para mantê-la. (...) E assim, a Baird Television Corporation nem chegou a começar nos Estados Unidos, uma oportunidade perdida que ajudou a atrasar a penetração da TV no país e a destruir uma variante independente da mídia. (...) Quando o governo deixa claro que se trata de um jogo de cartas marcadas, que há pouco espaço para o inventor independente ganhar a partida, inibi-se qualquer iniciativa para se tornar um Jenkins, um Bell ou um Edison. Como deixa claro o caso do Hush-A-Phone, as condições enfrentadas pelos empreendedores determinam como a inovação acontece. (...) É a estrutura industrial, como sugeri, que acaba com a liberdade de expressão num meio nascente. (...) São os investidores e inventores que decidem como será o nosso futuro, e o que chamamos de genialidade poderia ser mais bem-definido como esperteza misturada a capital.

Sarnoff percebeu claramente que a televisão estava emergindo - não havia como soterrar aquela inovação -, por isso, determinou que, quando ela surgisse, devia estar sob o firme controle de sua empresa e de sua indústria. A televisão não evoluiria como resposta às forças do ambiente, à la Darwin: seria criada por uma espécie de Deus do Velho Testamento, à imagem de seu criador - nesse caso, o rádio. O objetivo supremo de Sarnoff era que a televisão não ameaçasse o papel do rádio na atenção dos lares americanos, na divulgação dos anúncios que agora eram o fluido vital do setor. Nesse propósito, Sarnoff estava dotado de poderes sobre-humanos: os recursos técnicos e financeiros de uma gigantesca indústria. Se isso não fosse o bastante, como fizera em outras circunstâncias, ele obteria ajuda do governo federal em sua luta para sobreviver à destruição criativa.

Parte da nova estratégia da Bell fora abandonar uma tática utilizada nos anos 1890 para dizimar os Independentes: recusar conexões na rede. A abordagem de Vail agora era mais sutil e complexa: ele usava a conectividade como a cenoura que atrai o cavalo nas corridas, e não mais como chicote, o que se provou uma forma irresistível de dominar o mercado, com as fusões e aquisições. (...) Os acordos de Vail propunham aos Independentes participação nos sistema Bell, mas exigiam a adoção dos padrões e equipamentos da Bell, e impunham taxas especiais para utilização das linhas de longa distância da companhia, sem se comprometer a conectar um só chamado para não assinantes. Então, em essência, a proposta de Vail era o ultimato que tornara Gênghis Khan famoso: entre para a rede, divida as riquezas ou encare a aniquilação. Mas Vail não precisava ir tão longe para encontrar seu modelo: Já em sua época, John D. Rockefeller foi pioneiro do modelo "compre ou morra" para construir a Standard Oil.

A estratégia de Vail nos anos 1910 continua uma boa lição para os aspirantes a monopolistas. Tanto a competição quanto a nacionalização da Bell tiveram poderosos defensores. A chave foi a intenção honesta de realizar um bem que ninguém poderia contestar: tornar os Estados Unidos o país mais conectado do mundo, ao levar o milagre do telefone a todos os lares. Vail argumentava que o sistema Bell poderia fazer esse trabalho da forma mais eficiente, e transformou seu monopólio numa causa patriótica. (...) Vail alardeou que a AT&T representava a chegada de um monopólio esclarecido, uma utilidade pública do futuro. Prometeu não fazer nenhum mal. E o governo engoliu a promessa. (...) O monopolista esclarecido deve fazer bem o que faz de melhor, servindo ao público em íntima cooperação com o Estado. (...) Como escreve Milton Mueller, Vail conseguiu a "vitória política e ideológica do paradigma do monopólio regulamentado, desenvolvido sob a bandeira do serviço universal".

Tim Wu (Impérios da Comunicação; págs: 36, 38, 39, 66, 68, 70, 71, 74, 168, 169, 176, 177, 178, 188, 197, 232, 295 e 303)

O CICLO

Houve uma sucessão de mídias abertas e otimistas, mas cada qual, na devida época, tornou-se fechada e controlada por indústrias. (...) Cada uma dessas invenções - que deveriam ser o ápice de todas as demais - passou por uma fase de novidade revolucionária e utopismo juvenil: todas iriam mudar nossas vidas, sem dúvida, mas não a natureza de nossa existência. Seja qual for a transformação social que qualquer uma delas possa ter causado, no fim, todas ocuparam seu devido lugar na manutenção da estrutura social em que vivemos, desde a Revolução Industrial. Ou seja, todas se tornaram uma nova indústria altamente centralizada e integrada. Sem exceção, as admiráveis novas tecnologias do século XX - que partiam de uma proposta de uso livre, para o bem de novas invenções e da expressão individual - acabaram se transformando em monstrengos industriais, nos gigantes da "antiga mídia" do século XX que controlariam o fluxo e a natureza dos conteúdos por razões estritamente comerciais. (...) A história mostra também que qualquer sistema fechado por um longo período torna-se maduro para um surto de criatividade: com o tempo, uma indústria fechada pode se abrir e se renovar, fazendo com que novas possibilidades técnicas e formas de expressão se integrem ao meio antes que o empenho para fechar o sistema também comecem a atuar. A oscilação das indústrias da informação entre posturas abertas e fechadas é um fenômeno tão típico que eu dei um nome a esse processo: "o Ciclo".

Nos momentos específicos e decisivos em que um meio se abre e se fecha. Há um padrão observável. A cada par de décadas, surge uma nova tecnologia da comunicação, cheia de promessas e possibilidades brilhantes. Ela inspira uma geração inteira a sonhar com uma sociedade melhor, com novos modos de expressão, formas alternativas de jornalismo. Porém, cada nova tecnologia acaba sempre por revelar seus pontos fracos, seus caprichos e limitações. (...) Do ponto de vista da indústria, uma invenção pode inspirar outras insatisfações: uma ameaça aos rendimentos dos canais de informação existente, e que a nova tecnologia torna menos essenciais, se não obsoletos. (...) Quando esses problemas atingem uma massa crítica, tornando evidente a possível queda de ganhos substanciais, a mão invisível do mercado acena com um grande magnata como Vail (ou um bando deles), que promete um regime mais organizado e eficiente, a fim de melhorar a vida de todos os usuários. De hábito aliado ao governo federal, esse tipo de magnata é especial, pois define um novo tipo de indústria, integrado e centralizado. Ao oferecer um produto melhor ou mais seguro, o magnata alardeia uma idade de ouro na vida da nova tecnologia. No cerne da ideia jaz uma aprimorada máquina para prover um retorno estável do capital. Em troca de manter a hora exata de partida dos trens (arriscando uma comparação extrema), ele ganha certo controle sobre o potencial da mídia, de possibilitar a expressão individual e a inovação técnica - controle com o qual os inventores jamais sonharam, mas que é necessário para sua autopreservação, assim como dos lucros decorrentes da centralização. Isso também é o Ciclo. (...) O Ciclo é impulsionado por inovações disruptivas que destronam indústrias até então vicejantes, levam poderes dominantes à falência e mudam o mundo. Essas inovações são extremamente raras, mas são elas que fazem o Ciclo se mover.

Se quisermos definir o quanto qualquer indústria é "aberta", devemos começar com uma cifra: o custo da entrada. Com isso estamos nos referindo apenas ao custo monetário para entrar no negócio com uma possibilidade razoável de chegar aos consumidores. Estará em torno de 100 dólares? Mil dólares? Ou estará mais próximo de 1 bilhão? (...) Quanto maior for o custo da entrada, menos ideias serão difundidas (...) Seja qual for a magnitude, definitivamente, é este número que determina se a indústria é aberta ou fechada. (...) A mudança de uma fase industrial aberta para uma mercado fechado costumam ter início quando os interesses do capital vislumbram o potencial para aumentar imensamente o lucro com o monopólio, ou quando exige mais segurança para seus investimentos.

Tim Wu (Impérios da Comunicação; págs: 12, 13, 17, 29, 60, 65 e 152)

OUTSIDERS

Vamos analisar o ato da invenção. No caso, a importância do inventor outsider é seu distanciamento das correntes predominantes de pensamento acerca do problema em questão. Essa distância confere uma perspectiva próxima o bastante para entender o problema, mas também apartada o suficiente para desfrutar de maior liberdade de pensamento, da liberdade, por assim dizer, que é dada pelas distorções cognitivas entre o que é e o que poderia ser. O distanciamento inovador explica por que tantos dos que viraram a indústria de cabeça para baixo eram pessoas de fora do sistema ou até marginalizados por ele (...) A falta de formação acadêmica [por exemplo] - assim como a de Bell - acabou se mostrando uma vantagem, pois ele tentava coisas que outros considerariam ridículas. (...) Os outsiders são importantes para a inovação industrial: só eles têm vontade ou interesse de desafiar uma indústria dominante. (...) Os que estão mais envolvidos com as indústrias já existentes - em geral no topo - enfrentam uma pressão notável e constante para não inventar coisas que possam arruinar seus empregadores. Já os outsiders nada têm a perder. (...) Embora tenha inventado o telefone, a Bell Company claramente não percebeu o espectro total de sua utilização. Trata-se de um mal tão comum que poderíamos chamá-los de "miopia do criador". No desenvolvimento de uma tecnologia, muitas vezes, a verdadeira avaliação da importância potencial de uma invenção cabe aos outros - não necessariamente gênios tecnológicos -, que a conduzem por caminhos que o inventor jamais sonhou. O fenômeno não é nada místico: afinal, o inventor é apenas uma pessoa, com seus próprios pontos cegos, enquanto há milhões, se não bilhões, de outros olhos para enxergar novos usos que estavam bem debaixo do nariz do criador.

Tim Wu (Impérios da Comunicação; págs: 28, 59, 81 e 166)

HOBBY

Lee De Forest


"Se você não tem hobby... arranje um. Envolva-se. Seu interesse e seu gosto pela vida vão triplicar. Você vai encontrar, em comum com os outros - o prazer de se reunir, de trocar de ideias -, coisas que só quem tem um hobby pode conhecer."

Lee De Forest

Tim Wu (Impérios da Comunicação; pág: 48)

"MERCADOS SÃO CONVERSAÇÕES ENTRE PESSOAS" (SILVIO MEIRA)

A necessidade humana de falar, de criar, de construir coisas ou de se expressar de alguma forma sem uma razão específica, sem expectativa de recompensa financeira, não é novidade. Numa era em que o conteúdo foi radicalmente transformado em mercadoria, é bom lembrar que Homero não pensava em receber direitos autorais. Tampouco o pagamento por vários tipos de informação - livros, jornais, música - eliminou o desejo de se comunicar sem qualquer remuneração. Muito antes da internet, num mundo sem downloads pagos, antes mesmo da televisão comercial, o mesmo ímpeto de pensar e se comunicar com outros por puro prazer deu origem ao que chamamos agora de radiodifusão, praticamente definindo essa mídia nos anos iniciais. Nas revistas dos anos 1910, pode-se sentir o entusiasmo de chegar até pessoas estranhas pelo rádio, de estabelecer conexão com milhares de pessoas - e a admiração pela tecnologia. O que não se percebe é qualquer expectativa de lucro com isso.

Tim Wu (Impérios da Comunicação; pág: 48)

INVENTORES, INVESTIDORES E A HISTÓRIA

Até as invenções mais surpreendentes costumam ser descobertas simultâneas de duas ou mais pessoas. (...) Justiça seja feita, o telefone não foi criado por uma pessoa só. Assim, o que chamamos de invenção, embora não seja fácil, simplesmente acontece quando o desenvolvimento tecnológico chega a um ponto no qual o passo seguinte se torna acessível para muitos. Na época de Bell, outros já haviam inventado a fiação e o telégrafo, descoberto a eletricidade e os princípios básicos da acústica. Coube a Bell montar as peças: não foi uma coisa à toa, mas também nada sobre-humano. Nesse sentido, os inventores são mais artesões que milagreiros. (...) Se você não for um historiador do cinema, provavelmente não sabe quem inventou o cinema, pelo menos não da mesma forma como sabe quem inventou o telefone ou a lâmpada elétrica. Essa ignorância geralmente é sinal de que o inventor foi de algum modo comprado ou suprimido, ou não conseguiu fundar sua própria indústria, como Alexander Bell. (...) São os investidores e os inventores que decidem como será o nosso futuro, e o que chamamos de genialidade poderia se mais bem-definido como esperteza misturada a capital. (...)

"O inventor fica com a experiência, o capitalista fica com a invenção"

Com o passar dos anos, os fundadores do sistema comercial começaram a atribuir a si mesmo, e não aos amadores, os créditos pela criação do rádio nos Estados Unidos. Sarnoff, como presidente da RCA e fundador da NBC, tornou-se o magnata decisivo do setor no país. (...) Os diletantes amadores e os inventores como Lee De Forest - ou até a AT&T, aliás - foram varridos da história oficial, pois Sarnoff procedeu como os antigos imperadores chineses, que reescreviam a história assim que chegavam ao poder, para provar que sempre haviam tido o mandato do céu. (...) Baird havia demonstrado a primeira televisão mecânica em 1926; Charles Francis Jenkins começou a transmissão em 1928; Farnsworth patenteou a TV eletrônica em 1930, dando início às transmissões experimentais em 1936; e a BBC criava programas de alta qualidade desde meados dos anos 1930. Mesmo assim, em 1939, Sarnoff resolveu sequestrar a narrativa, reescrevendo a história oficial tal como o público a entenderia. Não fez menção à história dos inventores. Em vez disso, falou:

É com um sentimento de humildade que chego a este instante para anunciar o nascimento, neste país, de uma nova arte, tão importante em suas implicações que deve afetar toda a sociedade. A televisão é uma arte que brilha como uma tocha de esperança em um mundo conturbado. É uma força criativa que precisamos aprender a utilizar para o benefício da humanidade. ...Agora, senhoras e senhores, nós acrescentamos imagem ao som!

Tim Wu (Impérios da Comunicação; págs: 26, 27, 79, 105, 177 e 185)

MERCADO DE IDEIAS

Um espaço onde, por direito, qualquer integrante da sociedade é livre para mascatear seu credo. Porém, a forma ou mesmo a existência de qualquer mercado depende totalmente da estrutura das indústrias culturais e da informação. Ás vezes lidamos com estas últimas como se elas fossem iguais às outras, mas não são, pois suas estruturas determinam quem será ouvido. (...) Uma importante metáfora sobre a liberdade de expressão foi incluída no discurso nacional, nos anos 1920, pelo juiz Oliver Wendell Holmes, ao escrever: "O melhor teste da verdade é o poder de uma ideia ser aceita na competição do mercado, e que essa verdade seja a única base sobre a qual seus desejos podem ser realizados com segurança" - em geral mencionada como conceito de "mercado de ideias". A metáfora representa a noção de um mercado figurativo, onde qualquer um com boca para falar e ouvidos para escutar tem liberdade de vender e receber opiniões, credos e diversas formas de expressão. A esperança é de que, nesse domínio, a verdade irá vencer.

Tim Wu (Impérios da Comunicação; págs: 21 e 151)