31 de dezembro de 2013

PRESSUPOSTOS TEOLÓGICOS

Os pressupostos talvez sejam pras ideias, o que os genes são para o organismo. Isto é, podem explicar muita coisa, e na construção de uma teologia não é diferente. Nossas formulações referentes à Deus partem de nós mesmos, e de quem mais poderia partir, né? Numa lógica semelhante, Deus nos fez a sua imagem e semelhança, assim como nós também o criamos a nossa imagem e semelhança. O problema é quando Deus é dado a mistérios.. Isso abre espaço de criação para uma variação infinita de Deus, ou Deuses, porque uma vez que somos diferentes, teremos nossas próprias crenças, e as crenças como matéria-prima da realidade é o mesmo que, entre outras coisas, abrir uma caixa de pandora. Resultado: alguns têm um Deus que ama mandar pessoas para o inferno, e outros um Deus que ama incondicionalmente e jamais faria isso.

As religiões por trás disso tudo, carregam uma arrogância típica da crença, o que é problemático. É arrogância porque a crença se fecha em si mesmo num grau que torna qualquer ecumenismo inviável, geralmente, não há humildade nas convicções. Crença é um bicho muito certo de si. Como disse Elienai Cabral Jr: "O texto frio da lei é fluente no simulacro da moral. A letra grafada e morta não vasculha corações nem pergunta por afetos, não ilumina interioridades nem chora misérias, mata."

Tenho visto, em várias igrejas, um Deus claramente sádico. Sádico porque os membros mais representantes/fervorosos dessas comunidades, fazem coisas estranhas para seu Deus, a começar por sacrifícios envolvendo algum tipo de abstinência (não transar), ou dor (orar de joelhos) etc. Como se Deus ficasse feliz ao ver algum tipo de sofrimento.. Se Deus é amor, é de se esperar que ficasse mais feliz ao ver beleza. Eu também, como Rubem Alves: "Nunca ouvi de um devoto que tivesse oferecido a Deus uma sonata de Mozart ou um poema de Fernando Pessoa." É estranho que num espaço que fala-se tanto de Amor, tenha surgido uma espiritualidade tão calcada na negação do prazer e em sua, muitas vezes, demonização. Qual o sentido por trás disso, se boa parte da religião se presta ao esforço do homem em dar sentido a vida? Inclusive, falando em vida.. É irônico tanta ênfase dada ao pós-túmulo. Basicamente, numa dinâmica: Céu (recompensa/créditos) e inferno (castigo/débitos), e que configuram a base das liturgias tão presentes nos cultos. No final das contas, o medo, claro, é o principal fator que impulsiona a maioria dos crentes. Nas palavras de Napoleão Bonaparte: "duas alavancas movem o homem: interesse e medo."

As especulações a respeito da morte são, não mínimo, curiosas. Até onde entendi, para os cristãos, a morte é um caminho que se bifurca entre céu e inferno. Obviamente, assim espero, a expectativa para os cristãos é de que irão para o céu, afinal, para que serviria tanto trabalho: jejuns, leitura da Bíblia, orações etc...? Mas, se o céu implica em ter uma vida melhor, por que não procurar uma forma de encurtar o caminho? Até mesmo porque as expectativas de vida aqui só aumentam.. Há quem por muito menos, um punhado de virgens, por exemplo, instala bombas no corpo e "tchau e bença".. Isso que é acreditar no seu "Deus".. Enfim, o que parece, é que os cristãos "acreditam" nessa dicotomia céu/inferno somente até onde lhes convém.

"Minha fé não é aquilo em que acredito. Minha fé não está naquilo em que acredito, e nem poderia estar. Minha fé não é adequadamente expressa por aquilo em que acredito, e nem poderia ser. Toda crença é um obstáculo à fé. As crenças atrapalham porque satisfazem a nossa necessidade de religião, a crença é confortadora, a pessoa que vive no mundo da crença sente-se segura. Não tenho como recomendar a crença; sua única façanha é nos reunir em agremiações, cada uma crendo-se mais notável que a outra e chamando seu próprio ambiente corporativo de espiritualidade. Não tenho como endossar a crença; não devo dar a entender que a espiritualidade pode ser adequadamente transmitida através de argumentos e explicações. Minha espiritualidade não deve ser vivida ou expressa de forma menos revolucionária." (Paulo Brabo)

Fui criado em berço protestante e cresci também sob a catequização a que muitos são envolvidos desde muito cedo. Mas quando me perguntam se acredito em Deus, num primeiro momento é embaraçoso porque nunca sei a que deus a pergunta se trata, meu Deus certamente não é o mesmo que o seu. "Meu céu não é igual ao seu. Nem poderia ser. Nossas saudades são diferentes.", disse Rubem Alves. Depois penso no que Miguel de Unamuno falou: "Acreditar em Deus é, antes de mais nada e principalmente, querer que ele exista." Não sei também qual é o Deus que a maioria das pessoas anseiam que exista. Então é isso, Shakespeare já dizia: "Existem mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia."

Diego Cosmo