23 de dezembro de 2012

A ALMA QUER REENCONTRAR

O infantil não é o regressivo: é o eterno, o que sempre foi, o que sempre será, o objeto da saudade e da nostalgia, o objeto perdido que se espera reencontrar no futuro. (...) Uma conexão com a terminologia psicanalítica. A Feira das Utilidades é entidade consciente, regida pela razão instrumental, cujo objetivo é conhecer e dominar a "realidade" ("princípio da realidade"). A realidade exterior acontece dentro do tempo linear, histórico, que anda sempre para a frente, vetor que sai do passado e vai para o futuro. A Feira da Fruição, entretanto, é regida pelo tempo circular, que anda para trás, na busca dos objetos amados perdidos. Tempo da saudade. A alma não quer ir para a frente. A alma quer reencontrar, no futuro, aquilo que ela amou e perdeu, no passado. Para a alma, o que se espera, no futuro, é o reencontro do Paraíso Perdido. Relembro o curto verso de T.S. Eliot: "E o fim de todas as nossas explorações/ Será chegar ao lugar de onde saímos/ E conhecê-lo então pela primeira vez."

Rubem Alves (Variações Sobre o Prazer; págs: 107 e 108)

21 de dezembro de 2012

MEU ESBOÇO, MEU ROSTO

Um homem se propõe a tarefa de esboçar o mundo. Ao longo dos anos, povoa um espaço com imagens de províncias, de reinos, de montanhas, de baías, de naves, de ilhas, de peixes, de habitações, de instrumentos, de astros, de cavalos e de pessoas. Pouco antes de morrer, descobre que esse paciente labirinto de linhas traça a imagem do seu rosto.

Jorge Luis Borges

O HOMEM DEVE REENCONTRAR O PARAÍSO

Será que Deus fica feliz quando vê os seres humanos sofrendo? A tradição cristã tem medo do prazer. Prazer é artifício do Diabo. Tanto assim que, para agradar a Deus, os fiéis se apressam a oferecer-lhe sofrimentos e renúncias, certos de que é o sofrimento dos homens que lhe causa prazer. Digo isso pelo fato de que os fiéis, ao fazerem promessas a Deus para obter seus favores, o que lhe oferecem são sempre objetos dolorosos. Nunca ouvi de um devoto que tivesse oferecido a Deus uma sonata de Mozart, um poema de Fernando Pessoa ou fazer amor. A igreja ensinou que o prazer é o ninho do pecado. Como se o mundo fosse um imenso jardim cheio de árvores com frutos doces e coloridos, com placas em todas elas dizendo: "Proibido". Horrorizam-se, portanto, com o prazer que aparece ligado às funções sexuais, o que faz com que os órgãos sexuais sejam usados como brinquedos prazerosos, sem nenhuma intenção reprodutora. Tratam de denunciá-lo, assim, como perigoso lugar de tentação e perdição, e chegam a afirmar que o pecado original foi uma relação sexual. Não lhes passa pela cabeça que, se Deus não desejava que houvesse sexo, não nos teria feito macho e fêmea, e nem teria colocado tanto prazer nas funções sexuais.

O poeta inglês William Blake disse isso num curtíssimo poema: "Fui andar pelo jardim do amor, e o que vi não era o esperado: encontrei, ao invés das flores, sepulturas e lápides frias espalhadas. Sacerdotes em vestes negras vigiavam e, com espinhos, os risos e as alegrias amarravam". Mas como me horroriza imaginar que Deus possa ser um ser narcísico que se considera o único objeto digno de fruição em todo o universo, tratei de encher a Feira da Fruição com uma infinidade de coisas boas. Pois acho que foi pensando no prazer e na alegria dos homens que Deus povoou o Paraíso com uma infinidade de coisas belas, perfumadas, musicais, delicadas e gostosas. Deus não se dá aos nossos sentidos. O que ele dá aos nossos sentidos é o Paraíso, o jardim.

A espiritualidade que nos ensinaram foi construída sobre a negação do prazer. O caminho da santidade é o caminho do sofrimento. Não conheço nenhum santo que tenha um rosto sorridente. Alegrando-se na contemplação das telas da Bíblia de Marc Chagall, o filósofo e poeta francês Gaston Bachelard proclamou a sua fé: "O universo tem, para além de todas as misérias, um destino de felicidade. O homem deve reencontrar o Paraíso".

Rubem Alves (Pimentas)

18 de dezembro de 2012

EU GOSTO

Gosto de tá contigo em qualquer meio,
Gosto de te ver de meia,
Gosto de nós na meia cama,
Gosto de ficar no teu meio,
Gosto da meia noite com você,
Gosto de estar contigo em meio aos outros,
Gosto de tu comigo no meio do mundo.

Diego Cosmo

13 de dezembro de 2012

A ARTE É...

Obra de Marcel Duchamp, "R. Mutt".

"Qualquer coisa se torna obra de arte assim que se vê cercada por um ambiente. Dê uma forma qualquer a um novo ambiente, e ele adquirirá o estatuto de arte. Noutras palavras: ele se torna visível porque esse é o caráter peculiar da arte. Ela cria atenção, cria percepção. E o papel do artista como criador de modelos de percepção e significados é talvez mal compreendido por aqueles que pensam a arte basicamente como um banco de sangue de valores humanos armazenados."

Marshall McLuhan (Palestra de maio de 1966 em Nova York)

SUA EDUCAÇÃO

 
Há um mundo de diferença entre o ambiente moderno caseiro de informação eletrônica integrada e a sala de aula. A criança televisiva de hoje em dia está afinada com notícias "adultas" atualizadas a cada minuto - inflação, quebra-quebras, guerras, impostos, crimes, mulheres de biquíni - e fica desnorteada ao entrar no ambiente do século 19 que ainda caracteriza muitas instituições de ensino onde a informação é pouca, mas ordenada e estruturada por padrões fragmentados e categorizados, matérias e horários. É naturalmente um ambiente igual ao das fábricas, com seus inventários e linhas de montagem. A "criança" é uma invenção do século 17; ela não existia, digamos, na época de Shakespeare. Até aquele tempo, ela estava inserida no mundo adulto e não havia nada que pudesse ser chamado de "infância", como a entendemos atualmente.

A criança de hoje está crescendo em meio ao absurdo, porque vive em dois mundos, e nenhum deles a estimula crescer. Crescer - essa é a nossa nova tarefa, e é total. A mera instrução já não é suficiente. (...) O estudante não encontra meios de se envolver e não pode descobrir como o esquema educacional se relaciona com seu mundo mítico de dados eletronicamente processados e nem pode experimentar o que suas respostas claras e diretas lhe trazem. É urgente que nossas instituições educacionais se deem conta de que estamos em guerra civil entre esses dois ambientes criados por meios que não os da palavra impressa. A sala de aula trava hoje uma batalha de morte contra o mundo "exterior" imensamente persuasivo criado pelos novos meios informacionais. A educação deve sair do papel de instrução, por meio da imposição de modelos, para o de descoberta - a sondagem e a exploração e o reconhecimento da linguagem das formas. (...) O jovem de hoje rejeita as metas. Eles querem papéis a desempenhar. p-a-p-é-i-s. Quer dizer, envolvimento total. Eles já não querem metas ou tarefas fragmentadas, especializadas. (...) O dropout representa uma rejeição à tecnologia do século 19 tal como é manifestada em nossos estabelecimentos de ensino. Os teach-in representam um esforço criativo, passando o processo educacional de "pacote" para "descoberta". À medida que a plateia torna-se participante no drama eletrônico total, a sala de aula pode tornar-se a cena em que a plateia desempenhará um volume imenso de trabalho.

Marshall McLuhan (O Meio é a Massagem)

12 de dezembro de 2012

MI BIEN


O que foi aquilo, se não o mais covarde e o maior ato de abandono do que pulsa a vida, te ver indo mas ficando, ficando na cama em cabelos.. O que é uma estrada pra quem pensa no sempre, se não apenas dois passos. Pra que me curar? Se o veneno mora na falsa pretensão de podermos um dia saber tudo sobre o outro. O que fomos até aqui, se não aquela chama que faz nos descobrir em cada beijo... O que é o nosso maior bem, se não o que nos faz passar ligeiro. O que faz a vida passar tão depressa, se não aquela eternidade de te ter por perto. O que somos, se não a promessa de sermos.

Meu bem, só quero...

"...nunca saber tudo sobre nós e continuar nos descobrindo sempre."

Diego Cosmo