29 de outubro de 2012

O HOMEM E O SÁBADO

A democracia não é somente o regime da liberdade, mas o terreno da igualdade e o caminho do desenvolvimento. Não basta sermos livres se não tivermos a capacidade de transformar nossa liberdade numa norma de vida, onde a igualdade possa existir. Não somente a igualdade perante a lei, mas também aquelas liberdades que Roosevelt pregava: liberdade contra a fome, as doenças, contra o medo, contra o desemprego e todas as injustiças sociais. A democracia brasileira está marchando para ser a liberdade do mercado, do deus mercado, erigido como senhor da guerra e da paz, o mágico sistema que pode resolver tudo. O mercado não resolve os problemas da fome, das doenças, da segurança. Não vejo senão como uma ficção desonesta que a solução para o bem-estar seja um Estado mínimo e uma sociedade economicamente permissiva.

Condeno o Estado, polvo de mil tentáculos, invadindo os setores privados. Mas tem de ser forte para harmonizar conflitos, proteger os mais fracos, tornar efetiva a livre concorrência e, sobretudo, ser gestor de um aparato que aprofunde a democracia, voltado para coibir as injustiças. É da soberania divina que "o homem não foi feito para o Sábado, e sim o Sábado para o homem". Estamos todos a servir o Estado que, por sua vez, está servindo a uma minoria. Os modelos mundial e brasileiro são concentradores de renda em todos os níveis, espacial e individual. O mercado, considerado sob o ponto de vista dogmático e sagrado, leva ao desemprego estrutural, ao desemprego conjuntural. O homem fica transformado num insumo que pode ser desagregado do conjunto da produção. Desempregar para diminuir custos, como se pudéssemos abstrair do desempregado todas as consequências humanas de sua condição. (...) São de 1870 -um século- estas palavras do manifesto de Creusot: "Os economistas menosprezam a complexidade dos fenômenos sociais e negligenciam o aspecto intelectual e sobretudo moral e reduzem as ciências sociais somente às considerações do mercado". O que mudou? Apenas que o mercado aumentou sua liberdade selvagem de ação, o mundo financeiro sobrepujou a tudo, a especulação é a rotina. O Brasil não está aprofundando o processo democrático da igualdade e sim marchando de olhos fechados para o fosso da desigualdade, da antidemocracia.

José Sarney (O Homem e o Sábado)

24 de outubro de 2012

CRER NÃO É PRECISO

Tendo a pensar que Deus, definitivamente, não espera que acreditemos Nele. Deus para ser Deus não dependeria dessa contrapartida. Ele é algo a se ter fé. Se fosse necessário crer, tudo seria claro mas o que temos é mistério.. Por que? Porque, para todos os efeitos, Ele "não" existe, somente a fé nos possibilita algum diálogo. Do contrário, seria possível mapearmos toda sua natureza, personalidade etc. Já que crer subentende-se uma certeza.

"Deus, a fonte de todas as primeiras intenções, é aquele que tudo vê, mas que, exatamente por isso, não é visível. Porque o que é visível atende ao que se quer ver. Deus é invisível porque não atende aos desejos políticos de nosso olhar.Nilton Bonder

Alguns pressupostos básicos: 1) Deus é Amor e esse Amor 2) é incondicional. Se Deus é amor, Ele pode tudo aquilo que pode o amor, ou se mostra em tudo aquilo que seja manifestação de caráter amoroso. Logo o que não for dessa índole está fora do campo de atuação de Deus, e já não lhe diz respeito. Se é incondicional, para Ele nos amar não é preciso de nada mais do que simplesmente existir, se há uma condição, é essa, existir! A partir do momento em que preciso fazer algo além de existir, para ganhar seu amor, ou influenciá-lo, esse amor passa a ser condicional. Quando preciso da bíblia, por exemplo, para conhecê-lo, isso já é uma condição, assim como quando preciso crer Nele, isso também é uma condição. O que contraria a ideia de amor incondicional.

Deus não nos ama necessariamente pelo que fazemos ou deixamos de fazer. No entanto, encontrá-lo, compreendê-lo me parece implicar um esforço de esvaziamento, tendemos sempre a entendê-lo a partir de nós mesmos, impossível ser de outro modo, o que parece uma barreira em que nunca atravessaremos por completo na condição que nos encontramos. Até lá, boa sorte para nós.

Diego Cosmo

DEUSES

Será isto que é a alma, a ausência que mora em mim, e faz o meu corpo tremer. Não me canso de repetir esta coisa linda que disse Valéry: "Que seria de nós sem o auxílio das coisas que não existem?" Estranho isso, que o que não existe possa ajudar... Deus nos ajuda, mesmo não existindo: este o segredo da sua onipotência. Teologia é um encantamente poético, um esforço enorme para gerar deuses... Que deuses? Os meus, é claro. São os únicos que me é permitido conhecer. Lembro-me de Feuerbach. Compreendeu que estamos destinados ao nosso corpo, especialmente os olhos. Vemos. Mas em tudo o que vemos encontramos os contornos da nossa própria nostalgia, o rosto da alma. Como Narciso, que se enamorou de sua própria imagem refletida na superfície lisa da fonte. Também nós: o universo sobre que falamos é a imagem dos nossos cenários interiores. Com o que concorda a psicanálise, e antes dela o Evangelho: a boca fala do que está cheio o coração. Nossos deuses são nossos desejos projetados até os confins do universo. "Se as plantas tivessem olhos, capacidade de sentir e o poder de pensar, cada uma delas diria que a sua flor é a mais bela." Os deuses das flores são flores. Os deuses das lagartas são lagartas. Os deuses dos cordeiros são cordeiros. E os deuses dos tigres são tigres... Tudo é sonho. Ou, como diz Guimarães Rosa: "Tudo é real porque tudo é inventado".

Rubem Alves

A BONDADE VEM DA FORÇA

Olhe ao seu redor - as pessoas que você acha boas, quase sempre são fracas. A bondade delas não vem da força, vem da fraqueza. Elas são boas porque não ousam ser más. Mas que tipo de bondade é essa que vem da fraqueza? A bondade tem de surgir de uma força transbordante, só então é boa porque ela é vida, um fluxo de vida. Assim, sempre que um pecador se torna santo, sua santidade tem sua própria glória. Mas sempre que um homem comum se torna santo por causa da sua fraqueza, sua santidade é pálida e morta, não existe vida nela. Um homem que é bom porque não pode ser mau, não é realmente bom. No momento em que se tornar forte, será mau; dê-lhe o poder e imediatamente estará corrompido.

B.S. Rajneesh

19 de outubro de 2012

FOME E SEDE DE VIVER

Agora, com fome e sede de viver, numero os dias que imagino faltarem. Tenho pressa - devoro todos os livros, escuto todas as músicas, vejo todos os filmes, recito todos os poemas, corro todas as maratonas. Penso que será melhor acabar a carreira cansado do que enfastiado ou amargurado. Garimpo amigos com fome de vida. Tento encontrar gente que vive adiante do seu tempo - meu jeito de querer antecipar o futuro. Prometo ser amigo de quem eu possa despejar poesia, repartir anelos e, claro, sonhar sonhos impossíveis. Pretendo nunca apequenar o mundo de ninguém. Voto não portar-me como vampiro. Sei que se repartir com dignidade bons sentimentos, eu também somarei alegrias. E assim, partilhando nossas biografias, jamais pensarei em outra coisa se senão viver e gerar vida. 
 
Ricardo Gondim

7 de outubro de 2012

PREITO AOS LIVROS


Entendi o porque sou materialista quanto aos livros.. É porque há uma relação íntima, já passei madrugadas inteiras junto a maioria dos livros que li. Geralmente são encontros diários que duram de 3 a 10 dias, depende do livro, mas que sempre deixam sua marca, sempre encarnamos algo do papel. Ao passar cada página é um beijo com o dedo salivado, a cada anotação um diálogo a mais, a cada grifo um elogio. Depois de muitas e muitas emoções, guardo na estante como se fosse um retrato para sempre lembrar dum monte de coisa, inclusive o que somos.

Diego Cosmo