24 de julho de 2012

POSSE E LIBERDADE SÃO FREQUENTEMENTE CONSIDERADOS INSEPARÁVEIS

Mesmo os estilos de vida mais elaborados devem ser representados como universalmente disponíveis se querem ser introduzidos com sucesso no mercado. Sua suposta acessibilidade é a condição necessária para sua capacidade de seduzir. Eles inspiram as motivações de compra e o interesse dos consumidores porque compradores potenciais acreditam que os modelos que procuram são atingíveis. (...) Essas formas de apresentação, que o mercado mal pode se dar ao luxo de abandonar em suas reivindicações, implicam a igualdade dos consumidores nos termos de sua capacidade de determinar livremente sua posição social. À luz dessa suposta igualdade, a falha em obter os bens que os outros apreciam é compelida a criar sentimentos de frustração e de ressentimento. Essa falha parece inevitável. A acessibilidade genuína aos estilos de vida alternativos é determinada pela capacidade de pagamento dos potenciais praticantes. (...)

Por trás da ostensiva igualdade de oportunidades promovida e anunciada pelo mercado, repousa a desigualdade prática dos consumidores, na forma de graus agudamente diferenciados de real liberdade de escolha. Essa desigualdade é percebida ao mesmo tempo como opressão e estímulo. Ela produz uma experiência dolorosa de privação, com todas aquelas mórbidas consequências para a autoestima que já analisamos. E provoca também esforços zelosos para realçar a capacidade de consumo de alguém - esforços que garantem incessante demanda para o que o mercado oferece. (...) O fato de serem integrados por artigos totalmente disponíveis nas lojas não os torna veículos de igualdade. (...)

Por trás da reivindicação que sugere estar a realização ao alcance de todos repousa a realidade da imputação que é estabelecida de acordo com a desigual distribuição da capacidade de pagamento. (...) O mercado prospera na desigualdade da renda e da riqueza, mas não parece reconhecer posições sociais. Todos os veículos da desigualdade são negados, menos a etiqueta de preço. (...) O poder esmagador dos critérios suportados pelo mercado para a diferenciação social em aparência invalida todos os seus concorrentes. Muito simplesmente, não deve haver nenhum bem que o dinheiro não possa comprar, e o mercado não é visto como a corporificação de valores e preconceitos particulares, mas como força universal e livre de valores que todas as pessoas razoáveis devem aceitar. (...)

Os grupos mantidos em posição inferior por restrições "atributivas" em geral são também empregados em trabalhos mal remunerados, de modo que não conseguem arcar com os estilos de vida destinados àqueles que tiram proveito de seu trabalho. Nesse caso, o caráter atributivo da privação permanece oculto. As desigualdades visíveis são explicadas como resultados de menos talento, diligência ou perspicácia dos membros do grupo despossuído; não fosse por seus defeitos inatos, eles poderiam ser bem-sucedidos como qualquer um. Tornar-se como aqueles que eles devem invejar e desejam imitar estaria dentro do seu alcance se atuassem sobre seus desejos. (...) A posse é uma condição de possibilidade porque pode ampliar a autonomia, a ação e a escolha, de modo que posse e liberdade são frequentemente consideradas inseparáveis.

Zygmunt Bauman e Tim May (Aprendendo a Pensar com a Sociologia; págs: 113, 253, 254, 255 e 256)

19 de julho de 2012

NÃO SABES QUE EXISTE AMANHÃ?

Tu vives, mas triste
Duma tal tristeza
Tão sem água ou carne,
Tão ausente, vago,
Que pegar quisera
Na mão e dizer-te:
Amigo, não sabes
Que existe amanhã?
Então um sorriso
Nascera no fundo
De tua miséria
E te destinara
A melhor sentido.
Exato, amanhã
Será outro dia.
Para ele viajas.
Vamos para ele.

Carlos Drummond de Andrade

13 de julho de 2012

UMA REFERÊNCIA CONFIÁVEL É O SANTO GRAAL DA PUBLICIDADE

Uma vez a cada cem anos a mídia muda. Os últimos cem anos foram definidos pelos meios de comunicação de massa. Nos próximos cem anos, a informação não será simplesmente empurrada para cima das pessoas. Ela será compartilhada por meio das milhões de conexões que ligam os cidadãos (...) Nada influencia mais as pessoas do que a recomendação de um amigo de confiança (...) Uma referência confiável é o santo graal da publicidade.

Mark Zuckerberg

12 de julho de 2012

O VALOR DE UM PRODUTO

Alguém quer vendê-las a nós a fim de obter lucro. Para consegui-lo, em primeiro lugar tem de nos convencer de que gastar nosso dinheiro vale a pena. Isso exige que o produto tenha valor de uso que justifique seu valor de troca. O valor de uso relaciona-se à utilidade de um produto quanto à satisfação da necessidade humana, e o valor de troca refere-se a seu potencial para ser trocado por outros bens ou serviços. As pessoas que querem vender seus produtos devem procurar alguma distinção para eles, fazendo os mais antigos parecerem vencidos, obsoletos e inferiores. Então, como já indicamos, o desejo por um produto deve ser criado de maneira que todo sacrifício voltado para sua compra seja secundária em comparação a sua posse.

Zygmun Bauman (Aprendendo a Pensar com a Sociologia; pág: 243)

5 de julho de 2012

PODER DE ESCOLHA

O poder é, consequentemente, a capacidade de ter possibilidades. Quanto mais poder alguém tem, mais vasto é o leque de escolhas e mais ampla a gama de resultados realisticamente buscáveis. (...) Assim, ter poder é ser capaz de atuar mais livremente, enquanto ser relativamente menos poderoso, ou impotente, corresponde a ter a liberdade de escolha limitada por decisões alheias - de quem tenha capacidade de determinar nossas ações. (...) A desvalorização da liberdade do outro na busca de ampliação da própria liberdade pode ser resultado de dois métodos.

O primeiro é a coersão, que compreende a manipulação das ações de tal maneira que os recursos de outras pessoas se tornem inadequados ou ineficazes no contexto em questão, por maiores que possam parecer em outros casos. Um jogo inteiramente novo é criado pela manipulação de uma situação de modo que quem a manipula possa então assumir a dianteira: por exemplo, se a vítima de um ladrão é um banqueiro rico ou um político poderoso, seus respectivos recursos, que lhes asseguram alto grau de liberdade em outras circunstâncias, perdem a "capacidade de possibilidades", quando um ou outro é confrontado, em uma rua escura e deserta, com uma faca ou com o poder físico superior de um assaltante. (...)

O segundo método consiste na estratégia de cooptar os desejos do outro em favor dos objetivos de alguém. O que caracteriza essa forma é a manipulação da situação de maneira tal que só se podem alcançar os valores visados seguindo as regras estabelecidas pelo detentor do poder. Assim, o zelo e a eficiência com que inimigos são mortos são recompensados, destacando-se a posição social do bravo soldado com medalhas e citações honoríficas. Os operários podem assegurar melhores padrões de vida (aumentos de salário) desempenhando seu trabalho com mais dedicação e intensidade e obedecendo, sem questionar, aos regulamentos administrativos. Os valores dos subordinados transformam-se, então, nos recursos de seus superiores hierárquicos. Não são avaliados como fins em si mesmos, mas como meios a mobilizar a serviço dos objetivos dos detentores do poder.

Zygmunt Bauman e Tim May (Aprendendo a Pensar com a Sociologia; págs: 102, 103)

O PROCESSO DE ADESÃO E PERPETUAÇÃO NA IGREJA

Atos abertos de conversão são considerados libertação e começo de uma nova vida - e não se trata de ação do destino, mas de ato marcado pelo livre-arbítrio e entendido como manifestação verdadeira de uma liberdade recém-descoberta. Ficam veladas nesse momento, entretanto, as pressões que serão exercidas sobre os convertidos para que permaneçam obedientes à fé recém-abraçada e consagrem em seguida sua liberdade àquilo que a causa possa demandar. Por conseguinte, as exigências dirigidas a esses adeptos podem não ser menos excessivas que aquelas invocadas pela tradição histórica ou pela predisposição genética para legitimar suas práticas.

As comunidades de fé não podem se limitar à pregação de um novo credo com a intenção de unir futuros devotos. A devoção nunca estará assegurada se não for sustentada por rituais, isto é, uma série de eventos regulares - festividades cívicas, reuniões partidárias, serviços religiosos - de que os fiéis são convidados a participar como atores, de modo que sua filiação e seus destinos comuns sejam reafirmados, e a devoção, reforçada. Naturalmente haverá, contudo, variações na severidade e no volume das exigências feitas a esses integrantes. Quanto mais abrangente for a comunidade, mais opressiva tenderá a se tornar.

O carisma foi a primeira qualidade notada no estudo das influências profundas e indiscutíveis exercidas pela igreja sobre o fiel. Quanto mais forte for o carisma dos líderes, mais difícil é questionar seus comandos e mais confortável para os seguidores de suas ordens quando expostos a situação de incerteza.

Os esforços para preservar a ortodoxia e para impedir ou eliminar a heresia têm como objetivo o controle sobre a interpretação. O poder em questão visa a ganhar o direito exclusivo para decidir qual das interpretações possíveis deve ser escolhida e tornada obrigatória como a verdadeira. A busca de um monopólio do poder expressa-se escolhendo os proponentes das alternativas para o papel de dissidentes e é acompanhada por uma intolerância que pode ser corporificada em perseguição. Desse ponto de vista, toda disciplina que procura algo além da produção de conhecimento com a finalidade de controle se tornará alvo do ataque daqueles que investiram na ordem estabelecida.

Zygmunt Bauman

1 de julho de 2012

PERDAS PROGRESSIVAS

 
Mesmo sem abandono, o desaparecimento progressivo da beleza da juventude é sentido - e na verdade o é - como uma perda. Perda de poder. Perda de possibilidades. (...) Começamos as sentir que esse é um tempo de contínuas desistências, uma coisa depois da outra. A cintura. O vigor. O senso de aventura. A visão 20 por 20. A confiança na justiça. O entusiasmo. O espírito alegre. O sonho de ser campeã de tênis, estrela da TV, senadora, a mulher pela qual Paul Newman finalmente abandona Joanne. Desistimos da esperança de ler todos os livros que queríamos ler, de ir aos lugares que tencionávamos visitar. Abandonamos a esperança de poder salvar o mundo do câncer ou da guerra. Abandonamos até a esperança de conseguir emagrecer ou ser... imortais. Sentimo-nos abalados. Assustados. Inseguros. O centro não está resistindo, e as coisas estão desmoronando. De repente nossos amigos, e talvez nós também, estão tendo "casos", estão se divorciando, tendo enfarte, câncer. Alguns deles - homens e mulheres da nossa idade! - morrerem. E, enquanto adquirimos novas dores e desconfortos físicos, nossa saúde é necessariamente mantida por cardiologistas, dermatologistas, urologistas, periodontistas, ginecologistas, psiquiatras e outros de cujos diagnósticos sempre queremos uma segunda opinião. (...) alguém que nos diga: Não se preocupe, você vai viver para sempre. (...)

Em cada dor, em cada  mudança no nosso corpo, em cada diminuição de nossa capacidade, vemos indicações da nossa mortalidade. E, vendo o declínio sutil, ou não tão sutil, dos nossos pais, entendemos que estamos prestes a perder o escudo que nos separa da morte e que, depois que eles se forem, será a nossa vez. (...) Na meia-idade descobrimos que estamos destinados a ser pais dos nossos pais. Poucos incluem esse fato nos seus planos de vida. Como adultos responsáveis, tentamos fazer o melhor possível, embora achando que seria muito melhor sermos pais dos nossos filhos. Mas vamos descobrindo - com um misto de intensas emoções - que isso também está terminando. Pois os filhos gradualmente se afastam para outra casa, outra cidade, outro país. Estão vivendo fora do nosso controle e do nosso cuidado. E, embora existam certas vantagens no ninho vazio, precisamos nos adaptar à condição de ser apenas parte de um casal, não mais donos de uma casa que pulsa, que floresce, com sapatos e tênis espalhados por toda parte, não mais - nunca mais - aquela única e especial mamãe do "vou perguntar à minha mãe".

Com o colapso das realidades passadas, questionamos as autodefinições que nos mantiveram até então, descobrimos que tudo está à nossa disposição, questionamos quem somos e o que estamos tentando ser e se nesta nossa vida, a única que temos, nossas realizações e objetivos têm ainda algum valor. Nosso casamento faz sentido? Nosso trabalho vale a pena ser feito? Amadurecemos... ou simplesmente nos acomodamos? As nossas conexões com a família e os amigos são intercâmbios de amor ou dependências desesperadas? Até que ponto desejamos, ou ousamos, ser fortes e livres?

Judith Viorst (Perdas Necessárias; págs: 275, 276 e 277)

ERA BOM


A luz do Sol no jardim
Perde a suavidade e fica gelada,
Não podemos capturar o minuto
Dentro da sua rede de ouro,
Quando tudo já foi dito
Não podemos implorar perdão.

Nossa liberdade como freelancers
Caminha para o fim;
A terra atrai impiedosa
Sonetos, e pássaros descem;
E logo, amigo,
Não teremos tempo para danças.

O céu era bom para voar
Desafiando os sinos das igrejas
E todas as cruéis sereias
de ferro e o que eles dizem:
a terra chama,
Estamos morrendo, Egito, morrendo.

E sem esperar perdão
De novo enrijecido em terra,
Mas feliz por ter se sentado sob
Trovões e chuva com você,
E agradecido também
Pela luz do Sol no jardim.

Louis MacNeice