30 de outubro de 2011

A LÓGICA DAS RELAÇÕES

A cosmovisão de uma sociedade que acredita mais nas relações sociais do que nos indivíduos que lhes dão forma e vida. (...) Têm a capacidade ou o poder de dobrar a vontade dos indivíduos, fazendo com que façam coisas que até mesmo abominam em nome da lealdade ou da fidelidade para com outra pessoa. Em nome da amizade, do amor filial ou do compadrio e parentesco, conforme situamos o problema no caso do Brasil. Somos, assim, obrigados a visitar pessoas, a comer comidas, a dar presentes, a assinar manifestos, a frequentar locais e até mesmo a casar, não porque individualmente queremos, mas porque há uma demanda relacional. É a relação que exige, não o indivíduo que deseja! (...) Fazer sociologia não é estudar motivações individuais ou interações de trajetórias pessoais que se tocam num cenário artificial e passivo. a cultura de uma sociedade. Não. Fazer sociologia é estudar o peso e o valor das relações e das teias de relações que ligam os indivíduos entre si, fazendo com que vivam num mundo pleno de lógicas. Há a lógica individual de cada um; há a lógica da moralidade social que orienta a ação de todos; e há a lógica das relações que todos estabelecem entre si e com a ideologia como um todo.

Roberto DaMatta (A Casa e a Rua; págs: 134 e 135)

19 de outubro de 2011

O QUE É ESTE MUNDO?


"O que é este mundo.. Senão a ausência de Deus, sua retirada, sua distância (a que chamamos espaço), sua espera (a que chamamos tempo), sua marca (a que chamamos beleza)"

André Comte-Sponville

14 de outubro de 2011

VIXE MARIA!

Ou Deus quer tirar o mal do mundo, mas não pode; ou pode, mas não o quer tirar; ou não pode nem quer; ou pode e quer. Se quer e não pode, é impotente; se pode e não quer, não nos ama; se não quer nem pode, não é o Deus bom e, além disso, é impotente; se pode e quer - e isto é o mais seguro -, então de onde vem o mal real e por que não o elimina?

Epicurus, ed. de O. Gigon, Zürich, 1949, p. 80.

2 de outubro de 2011

O JOGO DA DOMINAÇÃO

Homens dominam outros homens e é assim que nasce a diferença dos valores; classes dominam classes e é assim que nasce a idéia de liberdade; homens se apoderam de coisas das quais eles têm necessidade para viver, eles lhes impõem uma duração que elas não têm, ou eles as assimilam pela força - e é o nascimento da lógica. Nem a relação de dominação é mais uma "relação", nem o lugar onde ela se exerce é um lugar. E é por isto precisamente que em cada momento da história a dominação se fixa em um ritual; ela impõe obrigações e direitos; ela constitui cuidadosos procedimentos. Ela estabelece marcas, grava lembranças nas coisas e até nos corpos; ela se torna responsável pelas dívidas. Universo de regras que não é destinado a adoçar, mas ao contrário a satisfazer a violência. Seria um erro acreditar, segundo o esquema tradicional, que a guerra geral, se esgotando em suas próprias contradições, acaba por renunciar à violência e aceita sua própria supressão nas leis da paz civil. A regra é o prazer calculado da obstinação, é o sangue prometido. Ela permite reativar sem cessar o jogo da dominação; ela põe em cena uma violência meticulosamente repetida. O desejo da paz, a doçura do compromisso, a aceitação tácita da lei, longe de serem a grande conversão moral, ou o útil calculado que deram nascimento à regra, são apenas seu resultado e propriamente falando sua perversão. (...)

A humanidade não progride lentamente, de combate em combate, até uma reciprocidade universal, em que as regras substituiriam para sempre a guerra; ela instala cada uma de suas violências em um sistema de regras, e prossegue assim de dominação em dominação. É justamente a regra que permite que seja feita violência à violência e que uma outra dominação possa dobrar aqueles que dominam. Em si mesmas as regras são vazias, violentas, não finalizadas; elas são feitas para servir a isto ou àquilo; elas podem ser burladas ao sabor da vontade de uns ou de outros. O grande jogo da história será de quem se apoderar das regras, de quem tomar o lugar daqueles que as utilizam, de quem se disfarçar para pervertê-las, utilizá-las ao inverso e voltá-las contra aqueles que as tinham imposto; de quem, se introduzindo no aparelho complexo, o fizer funcionar de tal modo que os dominadores encontrar-se-ão dominados por suas próprias regras. As diferentes emergências que se podem demarcar não são figuras sucessivas de uma mesma significação; são efeitos de substituição, reposição e deslocamento, conquistas disfarçadas, inversões sistemáticas. (...) O devir da humanidade é uma série de interpretações. E a genealogia deve ser a sua história: a história das morais, dos ideais, dos conceitos metafísicos, história do conceito de liberdade ou da vida ascética, como emergências de interpretações diferentes. Trata-se de fazê-las aparecer como acontecimentos no teatro dos procedimentos.

Michel Foucault (Microfísica do Poder; págs: 24, 25 e 26)