24 de agosto de 2011

SALVOS DA PERFEIÇÃO

Deus de tão perfeito conheceu a plenitude do tédio. De tão cercado pelo idêntico a si mesmo, incapaz de dizer por que hoje não é apenas um reflexo de ontem, sem jamais ter sonhado com um outro dia, enfadado com a previsibilidade de um mundo impecável, inventou o amor. Ou seria, preferiu amar?

A invenção do amor, ou dos amigos, é o encontro com o imperfeito e aqui está a sua grandeza. Nada se compara ao êxtase da imaginação, à adrenalina do inusitado, ao ciúme diante do livre amante, à ardência do anseio pelo melhor, ao sabor fugido do fugaz, à satisfação de um mundo transformado, ao descaso gostosamente dolorido diante do que não mais é caos. Sensações próprias da vida imperfeita, do que está para sempre para ser, dos que sempre podem desejar uma outra coisa. Dos humanos.

Logo depois de inventar o imperfeito, Deus conheceu a lágrima da frustração. A dor mais feliz que espíritos livres sentem. Viu as costas dos que mais amou. Duvidou sem desistir, o Criador chorou mais uma vez. Desta lágrima descobriu o perdão. Lágrima esquentada com afeto e graça.

Malcompreendido pelos amigos, inimigos tolos, pecado, recobriram-no de ídolo. De tão cansados do incerto, angustiados por tanta liberdade, os amigos inventaram ídolos, pretensos profetas e arrogantes senhores do futuro, sacerdotes e magos de um deus acuado, cristos milagreiros da mesmice ressurreta. Inventaram a religião, vestiram-se de absoluto.

Deus, que do absoluto fugiu em desespero, que inventara o imperfeito, imperfeito se fez. Inventou-se entre incertos. Aperfeiçoou a imperfeição. Humanizou-se entre humanos. De tão impreciso, despido das forças do absoluto, igualmente inapreensível, excepcionalmente frágil, tão vivo e tão morto, descortinou o absoluto como quem desnuda o que é mau. Imperfeito, salvou-nos da perfeição.

Elienai Cabral Jr. (Salvos da Perfeição)

14 de agosto de 2011

MEU PAI, MEU HERÓI

Meu herói, conselheiro, amigo e até patrocinador.. rsr Saiba que além de tudo você é um exemplo pra mim, e tenho muito orgulho disso. Obrigado por sempre acreditar em mim e em qualquer coisa que eu me metesse a fazer, na música ou no esporte, entre outras coisas. Não consigo descrever o valor dessa postura em ter me criado livre de tantas coisas. Sou grato, nesse sentido, por ter permitido que eu trilhasse meu próprio caminho. Não tenho a menor dúvidas de que você sempre será uma referência, no modo de encarar a vida, na forma de criar os filhos e até no estilo! hehe. O Queen, uma das bandas que tive o prazer de conhecer através de você, será aquele som que escutarei pro resto da vida, será sempre incrível escutar as músicas deles e lembrar da época em que andávamos no Santana escutando, em alto volume, músicas como: "I Want To Break Free", "I Want It All", "We Are The Champions", "Bicycle Race", "Don't Stop Me Now" E a "Radio Ga Ga" que era minha predileta na época, entre outras...

Espero que continuemos caminhando juntos como sempre estivemos enquanto vivermos. Feliz dia dos pais! Eu te amo.

Diego Cosmo

11 de agosto de 2011

O OLHAR DA ALMA


Há um olhar que sabe discernir o certo
do errado e o errado do certo.
Há um olhar que enxerga quando a obediência
significa desrespeito e a desobediência
representa respeito.
Há um olhar que reconhece os curtos caminhos
longos e os longos caminhos curtos.
Há um olhar que desnuda, que não hesita
em afirmar que existem fidelidades perversas
e traições de grande lealdade.
Esse olhar é o da alma.

Nilton Bonder (A Alma Imoral [contracapa])

10 de agosto de 2011

O GRANDE MAR

Arte: Sarolta Bán

Deus deu aos homens a terra firme, as lagoas e os mares mansos. Mas o mar absoluto, esse Ele deu ao perigo e ao abismo. Então, o jeito é só navegar no marzinho sem perigo e sem abismo! Pode ser. Mas aí o olho da gente fica feito olho de boi, parado, nada vê, e quando vê fica assustado. Deus é perigo, é abismo. Mora no grande mar. Por isso que é só nele que se espelha o céu. Quem viu o céu espelhado no abismo e no perigo esse terá, para sempre, no olhar, o brilho da eternidade.

Rubem Alves (Navegando)

8 de agosto de 2011

INTELIGÊNCIA ALHEIA

Todos nós, todos sem exceção, no que se refere à ciência, ao desenvolvimento, ao pensamento, aos inventos, aos ideais, aos desejos, ao liberalismo, à razão, à experiência e tudo, tudo, tudo, tudo, ainda estamos na primeira classe do colégio! Nós nos contentamos em viver da inteligência alheia - e nos impregnamos! Não é verdade? Não é verdade o que estou dizendo?

Fiódor Dostoiévski (Crime e Castigo; pág: 214)

5 de agosto de 2011

O AMOR MORA NA SAUDADE


Meu amor independe do que me fazes. Não cresce do que me dás. Se fosse assim ele flutuaria ao sabor dos teus gestos. Teria razões e explicações. Se um dia teus gestos de amante me faltassem, ele morreria como a flor arrancada da terra. (...) A separação vem da compreensão. Para se ficar junto é melhor não entender. Isso é o oposto do que pensam os casais que vivem brigando. (...) Não é certo que, depois de se entenderem melhor, vão ficar juntos. (...) A razão nada sabe sobre felicidade. A razão é como aqueles gênios da garrafa. Eles não têm vontade própria; não têm imaginação. Só têm poder. (...) O coração, ele mesmo, desconhece a razão. (...) Pois a música é assim: a gente ama sem entender. (...) A linguagem clara e distinta mata a fantasia. (...) Dentro do que ninguém entende cabe tudo: miolo vira couve-flor e o corpo e a cabeça aprovam.

Não há promessas para amarrar o futuro. Há confissões de amor para celebrar o presente. (...) As coisas do amor não podem ser prometidas. Não posso prometer que, pelo resto da minha vida, sorrirei de alegria ao ouvir seu nome. Não posso prometer que, pelo resto de minha vida, sentirei saudades na sua ausência. Sentimentos não podem ser prometidos. Não podem ser prometidos porque não dependem de nossa vontade. (...) O amor sobrevive na esperança de reaparições. (...) Que a amada apareça tal qual Nossa Senhora, abraçada à lua; e o amado, tal qual Nosso Senhor, abraçado ao sol. Pode ser que vocês não acreditem: mas foi para esse momento efêmero de felicidade que o universo foi criado.

Rubem Alves (Retratos de Amor; págs: 17, 39, 43, 44, 54, 83 e 85)

3 de agosto de 2011

A CORRUPÇÃO DO PROTESTANTISMO DIANTE DO CAPITALISMO

Banksy

A análise de Weber não busca estabelecer uma relação causal entre o espírito do protestantismo e o espírito do capitalismo, mas antes, a relação funcional do primeiro em relação ao segundo: o espírito protestante é estruturalmente semelhante ao espírito do capitalismo e por isso mesmo adaptado a ele e adequado à sua expansão. Ora, na medida em que o mundo ocidental se rege pela lógica do capitalismo, podemos concluir que o protestantismo se sente em casa neste mundo, enquanto o catolicismo se descobre como exilado. A ideologia protestante unifica a liberdade do indivíduo, a democracia liberal e o progresso econômico como expressões do espírito do protestantismo. Em resumo: o mundo moderno é um fruto do protestantismo.

O espírito do protestantismo é o espírito de revolta contra todas as ordens institucionalizadas. A Reforma sacralizou a consciência e dessacralizou o mundo. E ao fazer isso a consciência se descobriu sem um lar. A civilização já não tem uma dimensão de profundidade sacral. O sagrado é substituído pelo útil. Não sendo o espelho do divino, mas um simples produto da atividade humana, o mundo já não se presta como ponto de referência para as exigências religiosas da alma. Destituído de sua aura divina, dessacralizado e desencantado, resta o mundo como simples matéria-prima para a atividade dos homens. A reverência à ordem civilizatória é substituída por uma atitude de orgulhosa rebelião contra ela. A grande conquista protestante, sacralizar a personalidade, tem como seu reverso a secularização do mundo, que agora não mais pode ser gozado misticamente como o ventre divino. O mundo não se constrói sobre o sagrado. Ele é fruto do utilitarismo. E com o utilitarismo surge a possibilidade permanente de anomia. E isso porque num mundo em que todas as coisas são medidas em termos de utilidade o próprio homem se sente sempre na iminência de perder-se, com a perda da sua utilidade.

A reforma é o início da incredulidade moderna e a chave para se compreender todos os fenômenos monstruosos dos tempos modernos. No espírito do protestantismo, portanto, estão presentes as causas da desintegração da civilização ocidental.

Weber concorda em que existe uma grande afinidade entre o espírito do protestantismo e o espírito da modernidade. Mas a modernidade, representada pela lógica capitalista e pelas tendências à racionalização do comportamento e à burocratização, longe de ser uma expressão de liberdade e dos ideais democráticos, representa exatamente o seu oposto. O ideal democrático fala de uma organização política que não é imposta verticalmente de cima para baixo. Sua intenção é articular uma ordem que exprima as tendências sociais presentes nas bases humanas da sociedade. Uma sociedade democrática, assim, deveria ser uma objetivação da liberdade, uma expressão e um instrumento da "razão" imanente nos cidadãos como indivíduos.

Existe uma oposição absoluta entre, de um lado, liberdade e carisma e, de outro, as necessidades funcionais de disciplina e organização exigidos por uma sociedade comprometida com o progresso e o crescimento econômico. "Ou modernidade ou liberdade. As duas não podem ser afirmadas ao mesmo tempo". As exigências funcionais do sistema de produção - exatamente o sistema que é o fundamento do progresso - não podem permitir o comportamento individualmente diferenciado, seja ele determinado por exigências do organismo, seja ele determinado por valores pessoais divergentes. Em outras palavras: na medida em que o espírito protestante se ajusta à ética de disciplina e asceticismo do sistema de produção capitalista, torna-se impossível continuar a manter os ideais individualistas, libertários, críticos, que encontramos nos momentos iniciais da Reforma. Se, nas suas origens, o protestantismo foi um protesto da consciência contra as imposições de certo sistema; se ele proclamou a prioridade da "graça" sobre a "lei"; se ele afirmava que a pessoa, em decorrência da sua ligação direta com Deus, devia ser o pólo axiológico para a denúncia profética de todos os sistemas que pretendiam transformar a pessoa em função - o fato histórico, entretanto, é que a ligação do protestantismo com o progresso abortou os seus ideais fundadores.

Rubem Alves (Dogmatismo e Tolerância; págs: 90, 91, 92, 93, 94 e 95)

1 de agosto de 2011

SONETO DE FIDELIDADE

De tudo, ao meu Amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure

Vinicius de Moraes

HERÓI

Mahatma Gandhi

Meu conceito de Herói mudou. O Herói não era mais quem ganhava o distintivo ou era aplaudido como Harry Potter no final da história. Um Herói era alguém que fazia algo porque era certo, alguém cujas conquistas pudessem ir além de sua morte e que estivesse disposto a morrer desacreditado e esquecido. Heróis não são necessariamente os que ficam com a medalha no fim da história.

Frank Miller