7 de abril de 2010

"AMOR É CRISTÃO, SEXO É PAGÃO"


O horror que cristãos de todos matizes nutrem ainda contra o corpo, contra o prazer sensorial e contra a sexualidade não se origina na herança da Bíblia hebraica, na tradição dos apóstolos ou no ensino de Jesus. Ao contrário: nosso pessimismo sexual não tem suas raízes na tradição bíblica, mas na influência exercida pelos filósofos estoicos e gnósticos sobre os cristãos dos quatro primeiros séculos.

Dos estoicos herdamos a hipervalorização do celibato e a ideia da abstinência dentro do casamento como coisa virtuosa. Os estoicos ensinaram-nos a noção extrabíblica de que todo prazer sensorial é uma ameaça e uma tentação, e que, portanto, a única atividade sexual legítima é a que visa à procriação.

Os gnósticos, por sua vez, criam que o mundo físico não era obra de um Deus bom, mas de demônios, e que a incorpórea alma humana era a única centelha de verdadeira luz neste lodaçal de matéria. Dos gnósticos herdamos o desprezo pelo corpo, a demonização da matéria, o desprezo pela experiência sensorial e a hipervalorização do ascetismo.

Na equação do negativismo sexual, sexo nenhum equivale a nenhum prazer, e nenhum prazer equivale a muita virtude. Para o cristianismo histórico, a moralidade ficou para sempre reduzida à moralidade sexual. Perdemos assim a sanidade da visão judaica a respeito do sexo e do prazer, que é favorável e celebratória, e nada tem de neurotizada. Ainda mais importante, perdemos de vista o coração do ensino de Jesus sobre ética e santidade. Nada é simples na moralidade, em especial o reducionismo: nossa tendência em nos sentirmos seguros na abstinência e a tendência correspondente de condenarmos os outros em seus excessos. Jesus não tolerava a mentira, a ganância, o orgulho e a crueldade; nós toleramos tudo isso, mas quem não se submeter ao nossos elevados padrões de moralidade sexual terá de ser excluído do nosso meio.

Os católicos permanecem obcecados com o celibato e com a contracepção; os protestantes permanecem obcecados com a virgindade antes do casamento e com a homossexualidade. A mentalidade evangélica permite a exploração de pessoas pelo capitalismo e a alienação social que ela ocasiona, mas não tolera a união sexual antes da sanção reparadora. O Vaticano ensina que padres não podem casar-se e trata como embaraçosa a infelicidade o fato de que tenham de recorrer eventualmente a meninos. A igreja evangélica norte-americana, patrocinadora ideológica dos avanços militares dos Estados Unidos, é reconhecida, essencialmente, por sua postura anti-homossexual; ou seja, um homem pode matar outro, mas não pode beijá-lo. As campanhas católicas contra o uso de anticoncepcionais são reflexos contemporâneos da antiga luta estoica contra o prazer; a única função legítima do sexo, como ensinava Sêneca, deve permanecer a procriação.

Paulo Brabo (A Bacia das Almas; págs: 60, 61 e 62)

2 comentários:

Tânia Meneghelli disse...

Pois é, Paulo...

Estou pra ver religião que não pratique a antítese da própria filosofia que prega.

É contradição atrás de contradição, na maior cara de pau.

Princípios realmente espirituais, que é bom, nada.

Muito oportuno o texto.

Beijoca!

Diego Cosmo disse...

É verdade! Tudo cortina de fumaça para cobrir o desafio que seria praticar de verdade a doutrina de Cristo