16 de abril de 2010

A FÉ NÃO É AQUILO EM QUE SE ACREDITA

Crença é aquilo que professamos acreditar; é o conteúdo doutrinário peculiar a nossa facção religiosa, expresso com palavras muito bem escolhidas em nossas declarações de fé. Não há, em contrapartida, conjunto de palavras suficiente para definir adequadamente a fé. Nossas crenças são passíveis de exposição, mas nossa fé é questão pessoal - seu conteúdo é o mistério tremendo, a tensão superficial entre mim e o universo, entre mim e o desconhecido, entre mim e o futuro, entre mim e a morte, entre mim e o outro, enter mim e Deus.

Minha fé não é aquilo em que acredito. Minha fé não está naquilo em que acredito, e nem poderia estar. Minha fé não é adequadamente expressa por aquilo em que acredito, e nem poderia ser. Como lembra Ellul, "toda crença é um obstáculo à fé. As crenças atrapalham porque satisfazem a nossa necessidade de religião". "A crença é confortadora", observa Ellul. "A pessoa que vive no mundo da crença sente-se segura".

A fé deixa-me sozinho com um Deus que pode não estar lá. A fé convida-me a um grau de liberdade que posso não ter o desejo de experimentar. A fé quer tirar-me da zona de conforto da crença e levar-me para regiões de mim mesmo e dos outros aonde não quero ir. A fé pressupõe a dúvida, a crença exclui a dúvida. A crença explica sensatamente aquilo em que acredita, a fé exige loucamente que eu prove. Nossas crenças são âncoras de legitimação, que nos mantêm seguros no lugar mas nos impedem de seguir adiante.

Não tenho como recomendar a crença; sua única façanha é nos reunir em agremiações, cada uma crendo-se mais notável que a outra e chamando seu próprio ambiente corporativo de espiritualidade. Não tenho como endossar a crença; não devo dar a entender que a espiritualidade pode ser adequadamente transmitida através de argumentos e explicações. Nunca deixa de me surpreender que para o cristianismo Deus não enviou para nos salvar um apanhado de recomendações ou uma lista suficiente de crenças, mas uma pessoa. Minha espiritualidade não deve ser vivida ou expressa de forma menos revolucionária.

Paulo Brabo (A Bacia das Almas; págs: 145, 146 e 147)

2 comentários:

Ivan Ryuji disse...

Fé. Crença. Religião. E tudo mais entre isso: sempre tive uma dificuldade enorme em compreender.

Mas sei lá, talvez pra mim faça parte...

Abraços

Valeu pela visita, volte sempre!

Ivan Ryuji
http://blogdoryuji.blogspot.com/

Diego Cosmo disse...

Realmente esses assuntos são sérios... Tem um grande peso sobre as pessoas de um modo geral.
kra foi bom vc ter ido lá no "cosmo a pé" se vc tem mesmo curiosidade sobre esses assuntos, da um olhada na parte de "teologia aberta", lá tem muitos textos que vão ser do seu interesse, e acredito que vão te ajudar nas suas reflexões!

Abraço