No campo da inteligência, a tremenda vantagem das pessoas sobre os computadores não está na capacidade de processamento, mas no fato de que aparentemente não pensamos, como eles, a partir de regras. Nosso modo de pensar é analógico, ou seja, pastoso, intuitivo, informe e difícil de sintetizar em laboratório. Não precisamos, como os computadores, de regras que nos ensinem a transgredir determinadas regras a fim de simular comportamento inteligente. Quebrar regras é natural em nós. O contraponto deste contraponto? A desvantagem de não pensar através de regras é que, ao contrário de nossos irmãos cibernéticos, nós, humanos, só pensamos quando queremos pensar. A inteligência está pronta, mas a vontade é fraca, e em situações de conforto moderado para cima costumamos preferir o ócio e o entretenimento à produção intelectual, à pesquisa e à solução dos problemas da humanidade.
O verdadeiro enigma não está em por que demoramos tanto a obter resultados com inteligência artificial, mas em por que, tendo nesta era tantos recursos sem precedentes e ferramentas poderosas à nossa disposição - digamos, computadores -, recusamo-nos a pôr em uso a nossa. Usamos o computador para jogar paciência, o processador de texto para imprimir listas de compras, a internet para encontrar pornografia e as horas vagas para consumir o Big Brother. Ninguém em sã consciência deveria nos acusar de comportamento inteligente. Pensando bem, é muito natural supor que computadores inteligentes tenham assumido o controle da sociedade e vivamos em ignorante bem-aventurança suprindo energia à Matrix. Ou talvez esta seja uma imagem implantada por roteiristas de Hollywood para que nutramos a ilusão de sermos de alguma forma úteis.
Paulo Brabo (A Bacia das Almas; pág: 253)