11 de dezembro de 2009

O MAIOR SOLITÁRIO



A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, ou se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, e que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e de ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes da emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto da sua fria e desolada torre.

Vinicius de Moraes

8 de dezembro de 2009

DOCE DESILUSÃO

A desilusão é considerada um mal. Trata-se de um preconceito irrefletido. Como, se não através da desilusão, iríamos descobrir o que esperamos e desejamos? E onde encontrar um momento de autoconhecimento, senão precisamente a partir desta descoberta? Como alguém poderia ter clareza acerca de si próprio sem a desilusão? Não deveríamos sofrer as desilusões suspirando como algo sem o qual nossa vida seria melhor. Deveríamos procurá-las, persegui-las, colecioná-las. Por que me sinto desiludido com o fato de todos os atores idolatrados da minha juventude agora revelarem os traços da idade e da decadência? O que a desilusão me ensina sobre quão pouco vale o sucesso? (...) Alguém que realmente quer conhecer a si mesmo deveria ser um colecionador obcecado e fanático de desilusões, e a procura de experiências decepcionantes deveria ser, para ele, como um vício, na verdade como um vício dominante de sua vida, pois então ele compreenderia com toda a clareza, que a desilusão não é um veneno quente e destruidor, e sim um bálsamo refrescante e tranquilizante que nos abre os olhos para os verdadeiros contornos sobre nós mesmos. (...) Quando descobrimos e assumimos as desilusões como caminho que nos aproxima de nós mesmos, estaremos ávidos por experimentar em que medida estamos desiludidos com nós mesmos: desiludidos sobre a falta de coragem e de honestidade intelectual, por exemplo, ou com os limites terrivelmente estreitos impostos ao próprio sentir, sentir, agir e falar. O que foi que esperamos e desejamos então de e para nós próprios? Que fôssemos ilimitados, ou totalmente diferentes daquilo que somos?

Alguém poderia ter a esperança de, através da redução de expectativas, se tornar mais real e de se reduzir a um núcleo duro e confiável, estando imune contra a dor da desilusão. Mas como seria levar uma vida que se proíbe qualquer expectativa ousada e imodesta, uma vida em que somente houvesse expectativas banais, como a espera pelo próximo ônibus?
 
O corpo é menos corruptível do que o espírito. O espírito não passa de um cenário charmoso para um desfile de autoilusões, tecido por belas palavras apaziguadoras que nos iludem com uma intimidade isenta de engano, uma proximidade do conhecimento que nos livra de sermos surpreendidos por nós próprios.

Pascal Mercier (Trem Noturno para Lisboa; págs: 203, 204, 233 e 234)


Marisa Monte (Dança da Solidão)

19 de outubro de 2009

EVENTOS EVANGÉLICOS QUE DÃO APOPLEXIA

* Menino prodígio pregando, fantasiado de pastor. (Tenho vontade de esganar os pais, os líderes que deixam esse tipo de excrescência e a multidão imbecilizada que ainda consegue dar glória a Deus).
* Marcha para Jesus em São Paulo. (Sei que esse “carnaval-gospel-fora-de-hora” acontece em outras cidades, mas nenhum consegue ser tão ruim).
* Pastor entrevistando demônio. (Além de considerar desprezível o que um demônio tenha para dizer, acho esse tipo de coisa uma violência contra a dignidade humana).
* Evangelista empetecado prometendo prosperidade. (Tais mercadejadores da esperança povoarão a esfera mais baixa do mundo subterrâneo de Dante).
* Profecia em programa de rádio. (O pastor chuta afirmando que algum motorista está triste e que Deus mandou aquele recado; pateticamente acerta todas).
* Conferência missionária que atrela a miséria da Africa à idolatria. (As veias do meu pescoço incham quando ouço alguém dizer que os Estados Unidos ficaram ricos porque são “uma nação cristã”).
* Testemunho de cura divina em cruzada evangelística (Que tristeza ouvir velhinha contar que foi curada de caroço, dor nas pernas e da coluna! Os que têm o dom de cura devem dar plantão na Ala dos Indigentes do Hospital do Câncer ou em ClInica de Hemodiálise).
* Sermão entrecortado com língua estranha (Será que as platéias não percebem o exibicionismo?).
* Político se convertendo em ano eleitoral (Que mico; nojo se mistura com vergonha!)

Ricardo Gondim

16 de outubro de 2009

FELICIDADE REALISTA

A princípio bastaria ter saúde, dinheiro e amor, o que já é um pacote louvável, mas nossos desejos são ainda mais complexos. Não basta que a gente esteja sem febre: queremos, além de saúde, ser magérrimos, sarados, irresistíveis. Dinheiro? Não basta termos para pagar o aluguel, a comida e o cinema: queremos a piscina olímpica e uma temporada num spa cinco estrelas. E quanto ao amor? Ah, o amor... Não basta termos alguém com quem podemos conversar, dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando. Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo. Queremos estar visceralmente apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados, queremos jantar a luz de velas de segunda a domingo, queremos sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim e não de outro jeito.

É o que dá ver tanta televisão. Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista. Ter um parceiro constante pode ou não, ser sinônimo de felicidade. Você pode ser feliz solteiro, feliz com uns romances ocasionais, feliz com um parceiro, feliz sem nenhum. Não existe amor minúsculo, principalmente quando se trata de amor-próprio. Dinheiro é uma benção. Quem tem, precisa aproveitá-lo, gastá-lo, usufruí-lo. Não perder tempo juntando, juntando, juntando. Apenas o suficiente para se sentir seguro, mas não aprisionado. E se a gente tem pouco, é com este pouco que vai tentar segurar a onda, buscando coisas que saiam de graça, como um pouco de humor, um pouco de fé e um pouco de criatividade. Ser feliz de uma forma realista é fazer o possível e aceitar o improvável. Fazer exercícios sem almejar passarelas, trabalhar sem almejar o estrelato, amar sem almejar o eterno.

Olhe para o relógio: hora de acordar é importante pensar-se ao extremo, buscar lá dentro o que nos mobiliza, instiga e conduz, mas sem exigir-se desumanamente. A vida não é um jogo onde só quem testa seus limites é que leva o prêmio. Não sejamos vítimas ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está alta demais, reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se. Invente seu próprio jogo. Faça o que for necessário para ser feliz. Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade. Ela transmite paz e não sentimentos fortes, que nos atormenta e provoca inquietude no nosso coração. Isso pode ser alegria, paixão, entusiasmo, mas não felicidade.

Mário Quintana

8 de outubro de 2009

A PARÁBOLA DA DESCULPA CELESTIAL



Um homem cruza a rua e um ônibus por pouco não o atropela, Então, ele diz: "Deus me ama, pois o ônibus não me atropelou". Em outra ocasião, o ônibus o golpeia e o mutila. Desta vez, ele diz: "Deus me ama, pois o ônibus não me matou". Finalmente, um dia o ônibus o mata. Mas, agora, são seus amigos a dizer: "Deus o ama, pois o tirou deste mundo infeliz e pecador".

John Macquarrie


Na primeira casa, o filho disse para o rabino: "Se ao menos eu tivesse mandado minha mãe para a Flórida, para longe desta neve, ela estaria viva hoje. Ela morreu por minha culpa". Na segunda casa, o outro filho disse: "Se ao menos eu não tivesse insistido para que minha mãe fosse para a Flórida, ela estaria viva hoje. Aquela longa viagem de avião e a mudança brusca de clima foram demais para ela. Morreu por minha culpa". A questão é a seguinte: acreditando-nos culpados, podemos acreditar nos nossos poderes de controle da vida. Estamos dizendo que preferimos o sentimento de culpa à aceitação de não estarmos com o controle. Outros talvez sintam necessidade de acreditar que Alguém lá em cima tem o controle, que coisas terríveis não acontecem sem uma causa, que, se foram atingidos pela tragédia e pela perda devastadora , é porque, de algum modo, as mereceram. São os que não aceitam a ideia de que o sofrimento é aleatório, ou de que os homens maus prosperam enquanto os bons são castigados. Assim, acrescentam ao sofrimento a convicção de que sofrem porque devem sofrer, que seu sofrimento é prova suficiente da sua culpa.

Judith Viorst (Perdas Necessárias; pág: 136)

18 de junho de 2009

ONIPOTÊNCIA BENEVOLENTE


- Padre - disse Chartrand - posso lhe fazer uma pergunta esquisita?
 
O camerlengo sorriu.
 
- Só se eu puder lhe dar uma resposta esquisita.
 
Chartrand achou graça.
 
- Já perguntei isto a todos os padres que conheço e continuo não entendendo.
 
- O que é que você não entende?
 
O camerlengo ia na frente em passos rápidos, o pé levantando a ponta da batina quando ele andava. Os sapatos eram pretos, de sola crepe, e combinavam com ele, pensou Chartrand, como se refletissem a essência do homem: moderno mas modesto e mostrando sinais de desgaste.

Chartrand respirou fundo.
 
- Não entendo o que vem a ser uma onipotência benevolente.
 
O camerlengo sorriu.
 
- Você anda lendo a Sagrada Escritura.
 
- Eu tento.
 
- E está confuso porque a Bíblia define Deus como uma divindade onipotente e benevolente.
 
- Exato
 
- Onipotente e benevolente significa apenas que Deus é todo-poderoso e bem-intencionado.
 
- Compreendo o conceito. É que parece haver uma contradição aí.
 
- Sim. A contradição é a dor. A fome, as guerras, as doenças.
 
 - Exatamente! - Chartrand sabia que o camerlendo compreenderia - Coisas terríveis acontecem neste mundo. A tragédia humana é como uma prova de que Deus não pode ser simultaneamente todo-poderoso e bem-intencionado. Se Ele nos ama e tem o poder de mudar nossa situação, Ele deveria também evitar nossas dores, não é?
 
 - Deveria mesmo? - perguntou o camerlengo.
 
Chartrand ficou embaraçado. Teria passado dos limites? Será que se tratava de uma daquelas perguntas religiosas que não se devia fazer?
 
- Bem, se Deus nos ama, se é capaz de nos proteger, Ele deveria, sim. Parece que Ele é onipotente e indiferente ou, ao contrário, benevolente e incapaz de nos ajudar.
 
- Tem filhos, tenente?
 
Chartrand enrubesceu.
 
- Não, signore.
 
- Imagine se tivesse um filho de oito anos. Você o amaria?
 
- Claro.
 
- E faria tudo o que pudesse para evitar que ele sofresse na vida?
 
- Claro que sim.
 
- E deixaria que ele andasse de skate?
 
Chartrand estacou, admirado. O camerlengo parecia singularmente "por dentro" para um sacerdote.
 
- Sim, acho que sim - disse Chartrand.- Com certeza deixaria que andasse de skate, mas diria a ele para ter cuidado.
 
- Quer dizer que, como pai desse menino, você lhe daria uns bons conselhos básicos e deixaria que saísse e cometesse seus próprios erros?
 
- Eu não correria atrás dele para mimá-lo, se é o que o senhor quer dizer.
 
- E se ele caísse e ralasse o joelho?
 
- Ele aprenderia a ser mais cuidadoso.
 
O camerlengo sorriu de novo.
 
- Então, quer dizer que, mesmo tendo o poder de interferir e evitar que seu filho sentisse dor, você optaria por demonstrar seu amor deixando-o aprender suas próprias lições?
 
- Claro, a dor é parte do crescimento. É como aprendemos.
 
O camerlengo sacudiu a cabeça.
 
- Exatamente.

Dan Brown (Anjos e Demônios; págs: 301 e 302)

5 de abril de 2009

SEDE DE INTIMIDADE

Aquilo que o ser humano tem de mais precioso é a sua intimidade. A alma e o corpo despidos, as expressões de prazer, o rosto sem maquiagem, as roupas de dormir, esquisitices que não se atrevem a sair pelas portas de casa. Tudo isso é raro e exige um processo gradual para penetrá-lo. Isso, e mais alguns pormenores, o casal que se ama compartilha é o tesouro que só o cônjuge explora; a coroa que veste bem aquele que faz por onde conquistar; regiões que só quem ama tem acesso. Infelizmente a mídia tem vulgarizado, barateado esse valor. Nunca foi tão fácil, como em nossos dias, invadir a privacidade de alguém, descobrir seu corpo, desejos, virtudes, defeitos, enfim, aquilo que lhe torna único. Estão aí os REALITY SHOWS que deixam os espectadores boquiabertos diante da TV quase entrando pela "fechadura virtual"; as revistas pornográficas disfarçadas da expressão glamurosa "nu artístico"; revistas que abrem as portas das mansões de vaidosos exibindo suas coleções de sapatos e chapéus; um oceano de sites de fofocas e pornografias convidando à navegação; namoros virtuais; visitas "surpresas" a artistas que já acordam penteadas e maquiadas! E tudo isso é espantosamente acessível! É só comprar, ler, clicar, zapear e se iludir que conhece a vida do seu ídolo.

O homem tem inerentemente essa sede de intimidade, sede de conhecer e ser conhecido. O mercado sacou isso e explora abusivamente essa necessidade gerando uma intimidade irresponsável, porque sem compromisso, e falsa, porque é sem contato, é virtual, impessoal. E o homem moderno caminha assim: isoladamente "íntimo" das pessoas. Como quase todo movimento da sociedade se movimenta na igreja, muitos evangélicos pensam intimidade de maneira confusa. Para muitos o ideal seria um BIG BROTHER CELESTIAL onde o cristão, anonimamente, assistisse a intimidade da trindade e seus anjos; ou quem sabe um site que pudesse baixar canções celestiais, ver o movimento do reino em tempo real, mas sem envolvimento algum.

Talvez isso seja um tanto exagerado e até meio irreverente, mas podemos tentar de novo: uma oração bem feita com um sotaque bem evangélico e fazendo referências bíblicas para convencer; promessas, votos; ativismo religioso; disciplinas espirituais na tentativa de barganhar com Deus; um culto; seminários; retiros; o dízimo. "Pronto, sou amigo de Deus!"; "tenho intimidade com o divino!" (Não é de se admirar que no grande Dia muitos ouvirão do mestre: "...nunca vos conheci... [Mt 7.22,23]). Felizmente não acontece assim. A Bíblia nos ensina que a intimidade do senhor é para aqueles que o temem (SL 25.14a). Não é o temor de medo, mas de estremecimento que tem aquele que não quer chegar à presença do senhor displicentemente. É o zelo do sacerdote que lava as mãos na pia de bronze antes de pegar os utensílios sagrados para ministrar (Ex 30.17-21); também do salmista que guarda a palavra do senhor no coração para não pecar contra ele (SL 119.11). Esse temor não é o temor afasta, mas que aproxima, pois quanto mais fraco eu sou, mais de joelhos aos pés de Cristo estou (2Co 12.10). O tabernáculo do antigo testamento era conhecido como "tenda do encontro". Era o lugar onde o homem se encontrava com Deus, adorava, dava o seu sacrifício e ouvia a palavra. Mas para isso tudo acontecer havia toda uma preparação. O povo tinha que montar a grande tenda, colocar os untesílios nos devidos lugares para, então penetrar a intimidade de Deus e oferecer o seu culto. Era o ritual do encontro com jeová! (Ex 40.17-38)

Com a vinda de Jesus, o templo é hoje, agora, aqui e em qualquer lugar (Jo 4.19-24), não tenho que montar nenhuma tenda ou igreja para que a presença do Senhor se faça real ela já é fato! O que podemos tirar de princípios da experiência dos hebreus é que para conhecer a intimidade de Deus, entrar na "tenda do encontro", há uma boa caminhada, uma preparação, uma conquista, uma "sedução". E até essa caminhada é com o próprio Deus: "Eu sou o caminho..." disse Jesus (Jo 14.6), indicando que o caminho que leva a Ele não é um conceito, uma instituição, uma denominação, uma filosofia, uma técnica ou estratégia, mas é gente que se relaciona. Conhecer exige tempo para se relacionar. É um namoro levado a sério! Nosso Deus nos ama tanto que nos deseja todo. "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força" (Dt 6.5). Que o Senhor nos livre de um relacionamento "virtual-religioso" apenas num culto, num congresso, num retiro, numa oração...  E nos incline ao desejo de um namoro gostoso com Ele que seja perene, integral, real, relacional até se consumir a eternidade!

Márcio Cardoso